Texto de João Carlos Costa Leite: A volta do que não foi…

“Foi um tempo que o tempo não esquece” – Canção Agalopada, Zé Ramalho.

Heráclito de Éfeso, denominado o filósofo do devir, cunhou conceito cujo reflexo permanece incólume e estudado até hoje: “Nenhum homem pode banhar-se no mesmo rio duas vezes…Pois na segunda vez o rio não é mais o mesmo, nem tampouco o homem”. Minha volta a Matinha, 12 anos depois, incorpora, retrata, esse aforismo. Fui morar em São Luís, no segundo semestre do ano de 2012. Mamãe havia falecido, o mundo tornara-se um imenso vazio. Tinha adquirido um apartamento – sonho antigo -, e Antônia estava lá com nossos filhos.

João Carlos e sua esposa, Antônia

Episódios de depressão, sensações de solidão, premiam o peito; acessos de choro, corroborados por profunda tristeza, surgiam. Alegria, só quando conversava com Antonia e ouvia notícias dos meninos. Inscrevi-me no ENEM – Exame Nacional do Ensino médio -, no final de 2011, tendo como primeira opção o curso de Direito; não alcancei a nota necessária. Enfrentei então o SISU – Sistema se Seleção Unificada -, logrei êxito para a segunda, Filosofia Bacharelado. Ingressei na UFMA – Universidade Federal do Maranhão -, no segundo semestre de 2012, horário vespertino. Distante das salas de aula desde 1982, quase entro em parafuso. Inúmeras vezes, intencionei deixar o curso, felizmente, encontrei pessoas, amigos, colegas, parentes, que conseguiram dissuadir – me.

Magnifico, esplendido aprendizado, o universo do conhecimento se ampliou. Conheci professoras e professores maravilhosos, colegas de curso, de diferentes idades, matrizes religiosas, culturais, étnicas. A diversidade imperava. Embora trabalhasse em banco, meu entendimento de informática era parco, até porque, motivado pelo mau uso dos instrumentos da nova era, fartamente utilizados a lida diária das instituições bancarias, que adquiri LER/DORT –(Lesão por Esforço Repetitivo/ Doença Ortomolecular Relacionada ao Trabalho), responsável por 20% dos afastamentos e aposentadorias na nossa categoria, gerando em mim ojeriza, pânico, ao computador . Esse trauma aparecia toda vez que chegava perto de um, com tremores, sudoreses, taquicardias. O primeiro semestre foi terrível, insano. Descostumado, expectando uma realidade, onde imperasse o debate, vi-me cercado de garotos imberbes, alguns com grande capacidade intelectual, rotinas diferentes, de comprovada capacidade intelectual, porém, não muito afetos as querelas que julgava necessárias ao mundo acadêmico, notadamente, num curso do porte daquele que guardei desde criança o significado,” amor ao saber”.

Disciplinas desconhecidas, não estudadas no ensino médio, eram empecilhos, pois, enquanto via tudo como novidade, os colegas precisavam apenas aprofundar o tema. Estética, Lógica, Hermenêutica, Ética, Teoria do Conhecimento, doxa, epistemologia, dentre outras palavras novas , pipocavam ao redor, e eu, que me arrogava em conhecer verbetes , vi o quão pobre, insignificante, desqualificado, meu vocabulário e saber. Acidentada caminhada, inúmeras vezes fez-me repensar a escolha de voltar a estudar, felizmente debelada, multiverso se abrindo, difícil aclimatação, um divisor de águas. Claramente, minha vida é entendida entre o antes e depois da UFMA. Mesmo não tendo acesso aos próceres da Filosofia, imputava-me boa leitura, pelo fato de ter lido autores nacionais e alguns de fora do país. Tal ilusão, bem como outras, foi caindo, num verdadeiro castelo de cartas, ao adentrar meandros do curso, interagir com colegas, ás aulas desenvolvidas pelos excelentes professores.

Tabus quebrados,- por exemplo, de que todos os estudantes de Filosofia são usuários de drogas -, jovens de ambos os sexos, capazes de analises filosóficas, as mais sofisticadas, bate papos com conteúdo, novos amigos, trabalhos em grupo, constatação de que pastores, advogados, frequentam o curso. Dinâmica nova. Acostumado ao marasmo, a rotina de sair de casa toda a tarde, pegar dois ônibus, tirar fotocopias de textos de diversos autores, efetuar trabalhos, passar as vezes o dia inteiro na UFMA, refolhando livros, almoçando uma comida, pra falar o mínimo, esquisita; ao lado de pessoas diferentes, desafiava e assustava. Paulatinamente, aclimatei-me ao dispositivo. Virei amigo dos meninos e meninas na sala de aula. De certo modo, creio ter sido adotado por eles. O curso de Filosofia é sazonal no seu percurso, cada semestre avançado, alunos novos aparecem, desparecem, entram, saem; proporcionando rica integração entre sujeitos, panoramas, contextos; renovando discussões.

Algumas cadeiras que não estavam na grade curricular ou eram não obrigatórias, precisavam ser obtidas nos cursos do CCH – Centro de Ciências Humanas -, concomitantes a variadas, profícuas palestras. Desfrutei, portanto, ampla, desbragadamente, depois dos cinquenta anos, de extraordinária aventura, além de tudo que sonhei a vida inteira.
Havia excessos, afinal ali espelhava um microcosmo do que é a sociedade tupiniquim: o nicho dos nerds, dos que gostavam de fazer a cabeça, dos religiosos, que buscavam no curso um trampolim para novas incursões, que possuíam outra graduação, que não queriam nada com a vida, que estavam no curso por esnobismo etc.
Emaranhavam-se, interagiam, constantemente uns com os outro, num caleidoscópio de encontros, desencontros, reencontros, emersões, imersões
Transcorreria tudo bem, nas expectativas e histórico dos cursos de humanas, se em 2013, no rastro das eclosões ocorridas na antecedente década pela Primavera Árabe e movimentos de extrema direita da Europa, EUA, tão bem retratadas por Joe Mulhall, escritor, pesquisador, militante antifascista britânico, autor do best seller “ Tambores á Distancia, viagem ao centro da extrema direita mundial”, irrompesse no pais, aparentemente iniciado com os protestos de estudantes denominado como “ vinte centavos”.
Comandado por conhecido grupo neofascista de jovens, apoiados completamente na mídia hegemônica, amparados pela então, incipiente internet, além da complacência e até ajuda pueril de parte de uma esquerda, tida por radical, contrapondo-se ao governo aliancista da presidenta Dilma Roussef. A nação foi inundada por avalanches de reclamações que cresciam em progressão geométrica. O Brasil conquistara expressiva melhora econômica durante os mandatos Lula e Dilma. Embora sendo um governo de coalisão, os avanços democráticos/progressistas, eram evidentes. O modo petista de governar impunha -se. As estocadas da direita, representada pelo PSDB- Partido da Social Democracia Brasileira -, perdedor das eleições, já se mostravam desde 2005, quando auxiliados pelo que o jornalista Paulo Henrique Amorim chama de PIG – Partido da Imprensa Golpista -, empresários, viúvas da ditadura militar, alimentou-se manifestos, para desestabilizar o governo.

Chegamos as eleições de 2010, com Lula em altíssima popularidade, resultando na vitória de Dilma. Muito mal-recebida pela oposição já designada, o terceiro triunfo consecutivo do PT sobre tucanos, fez a perseguição aumentar, agora com doses fortes de preconceitos contra a presidenta. A internet, verdadeira terra de ninguém, cheia falastrões extremistas, equipada por um estilo de ódio e rancor, corroborada pelos jornalões, deixou o primeiro mandato um inferno. Ainda assim, vem a reeleição, e este nicho ideológico, que se denominara em algum momento, Social Democrata, centrista, radicalizou, agredindo intensiva, sucessivamente, secundado por um congresso comprado, golpista, cooptado pelas elites econômicas, editando pautas bombas, dando suporte a manifestações. Questionavam tudo, desde 20 centavos de aumento dos ônibus urbanos, as ruins qualidades do ensino, saúde, construção de estádios, a copa do mundo, olímpiadas, bolsa família, etc.

Pela primeira vez, a situação do pleno emprego, era real, a intentona golpista sobrepujou tudo e com a ajuda da patota elencada, impôs sua narrativa, transformando um cenário de eventos promissores, em amontoados de notícias ruins, culminando no impeachment fraudulento da presidenta legitimamente eleita. Parafraseando o poeta Gonçalves Dias, em I Juca Pirama: “ “Meninos eu vi”, vi e vivi, aquela quadra histórica. Vi, a ascensão vertiginosa de núcleos denominados conservadores, que depois transmutaram -se em reacionários; o “ filosofo” Olavo de Carvalho, incensado a guru dessas atividades; colegas dos cursos de humanas, promovendo encontros/ seminários, debatendo pautas totalmente avessas ao âmbito acadêmico; professores, mestres, doutores renomados, aparentemente estupefatos, calados e tentando impor uma rotina de normalidade, que se demonstrava inócua naquele momento.

Vivi, a ausência de querelas nas nossas hostes, a insistência em manter, referendar o argumento extremista de permanecer criticando o governo, enaltecendo, divulgando, ou calando ante aspectos misóginos, machistas, depreciativos, contra minorias (LGBTs, negros, indígenas etc.), verdadeiro massacre. Dizer-se petista, era quase um sacrilégio. Quantas vezes olhado, compungidamente, por alguns colegas e professores, ao declarar a opção partidária. As exceções eram honrosas e salutares. Oxalá, um dia, de modo claro, transparente, realista, possamos fazer um mea culpa dessa fase tão nociva e vergonhosa. Conjuntamente, a vida acadêmica a real permanecia, com percalços, problemas, alegrias, tristezas. A saudade de Matinha era constante, intensa. Tudo a redor, girava em torno da terrinha . Nenhuma atividade, ação, ocorrência, tiravam do pensamento, coração, alma, imagens, lembranças. Périplos buscando a melhoria da saúde, que piorara, adicionando aos existentes, diabetes, hipertensão, esteatose hepática; LER/DORT, problemas gástricos, de visão, circulação, ajudavam a preencher o espaço temporal, não amainavam as dores intestinas, psicológicas.

Parafraseando Paulinho da Viola, ¨”é preciso viver e viver não é brincadeira não.” Na música Pecado Capital , a vida seguia inexorável estrada. Precisava atravessar rubicões. Agraciado por Deus, oportunizei ser tesoureiro do PNOR, -Presbitério do Norte – A IPIB – Igreja Presbiteriana Independente do Brasil -, possui esta estrutura administrativa: Igrejas Locais, Presbitérios, Sínodos, e no topo a Assembleia Geral- AG. A igreja local, como o próprio nome diz, são membros e membras, dirigidos pelo Conselho, formado por por pastores/as e presbíteras/os, eleitos por voto direto e secreto; os Presbitérios, são o conjunto de igrejas em uma região próxima; os Sínodos a junção de alguns Presbitérios , a Assembleia Geral, é entidade máxima da denominação, agrupa as instituições já descritas. O PNOR – Presbitério do Norte -, é formado pelas IPIs do Maranhão ( cinco em São Luís, seis na Baixada Maranhense), uma em Teresina, duas em Belém, além de congregações. Temos congregações em Imperatriz, Bacabal e Caxias. Ser tesoureiro do PNOR, sempre foi sonho antigo meu.

Nascido e criado em família presbiteriana independente, sou a terceira geração a contar de vovô Sebastião e vovó Lola, convertidos ao evangelho, imagino, no final da década de 15 do século passado. Nasci sem qualquer dom especial : canto pessimamente, prego pior ainda. Creio ter Deus se apiedado desse desengonço religioso e colocado a capacidade e vontade de lidar com finanças. Pendores para tratar com recursos (dos outros) se mostraram na minha trajetória. Estudar contabilidade no ensino médio, bancário em duas oportunidades, acabaram por selar essa sina. No movimento dos jovens da IPI Matinha, e depois da COONORTE – Coordenadoria de Jovens do PNOR-, exerci o cargo. Adulto e membro do Conselho, fui escolhido, seguindo a tradição deixada por Maria de Lola, que a exercera também. Essa tendencia não acontecia só na igreja, qualquer organização que eu participava, fatalmente, acabava cuidando do dinheiro. Tomo isto, isto como desígnio Divino.

Um alvo almejava, espécie de cereja do bolo, nesse fundamento:: comandar a tesouraria do PNOR. Participei de reuniões ordinárias do nosso concilio muito novo. Encontros de adolescentes, jovens, ocorriam concomitantes aos do Presbitério. Adorava o ambiente; entre as refregas, debates, alguns enérgicos e fortes; eleições, recepções, transferências de pastores, presbíteros, reuniões abertas, secretas, conchavos, algo sobressaia -se eleva-se, transformando-se num encanto, verdadeiro fetiche: a figura do tesoureiro do PNOR. Inesquecível, sua figura já marcada pelo tempo de vida, jeito calmo, quase imperceptível ao falar. Parecia ter domínio pleno sobre tudo e todos, dava gosto ver conciliares, que minutos antes digladiavam-se, quase indo as vias dos fatos, tratá-lo com tantas mesuras e rapa pés.

Chamava-se Djalma Ferreira Campos, e seu perfil cristão, inspirou e cevou a vontade de um dia alcançar o cargo por ele atingido. Acredito que estava escrito nas linhas do tempo de Deus. A partir da chegada a capital, realizei o sonho de adolescência e juventude. Creio ter honrado a função, foram alguns anos de dedicação, empenho, labor, visando o bem-estar e o bom andamento das atividades das IPIs. Fui ajudado por pastoras, pastores, presbíteros, presbíteras, diaconisas, diáconos, membras e membros das igrejas. Verifiquei interna/externamente, problemas que só chegavam a mim, mesmo tendo cargos nos Conselhos, superficialmente. Concepções foram aperfeiçoadas, algumas referendadas, confirmadas, positivamente, outras nem tanto A saída foi decepcionante, No entanto, amalgamou minha fé em Deus e deu certeza na imperfeição humana.

Sobraram gratidões, ratificação de amizades indissolúveis, eczemas, feridas mal cicatrizadas, que felizmente a graça do Altíssimo, sarou. Estas jornadas, acredito, são frutos do cuidado para com este imperfeito servo. Só Ele, na grandiosidade de sua Onisciência, seria capaz de compreender, estabelecer o tempo e as condições psicológicas adequadas para que pudesse exercer algo tão almejado e assaz complicado. Pegar a tesouraria, já morando fora de Matinha, do trabalho – estava afastado pelo INSS -, com favoráveis condições de acesso as instituições bancárias, podendo acompanhar de perto a transformação dos filhos, da adolescência para a juventude, recebendo um pequeno valor – muito bem-vindo -, para cumprir o feito, ajudado por irmãos da diretoria, com idade acima do meio século, e principalmente, cursando Filosofia, foi abençoador e determinante para o futuro.

O estudo da “ Mãe de todas as Ciências”, levou-me a melhor olhar o mundo, as coisas, pessoas. Pude através da leitura, dos professores, colegas, arranhar o conhecimento, entender nuances que até então, dogmas preconceitos, mágoas, estigmas, decepções, orientavam. Retirado, ao meu juízo, abruta e injustamente, da função que anelei, não dei piti, esculhambei, ergui a voz, perdi as estribeiras. Atitude típica do João Carlos de antes. Assimilei as estocadas, toquei a vida pra frente. Fiquei embiocado, constrangido, ferido no orgulho próprio? Obviamente. O sentimento de humilhação teimava em aflorar, normalmente agregado com lagrimas. Os designíos de Deus são insondáveis, convivi com contextos adversos e atores, personagens, das mais diferentes matizes. Sou grato por proporcionar a este indigno, a concretização de um sonho de infância. Sobraram, o choque de realidade, a certeza, consolidada pela Filosofia, de que os sistemas humanos, inclusos religiosos, tornaram-se burocráticos e incapazes de atos de misericórdia. Conjuntamente a universidade e Presbitério, participei da bela iniciativa, com baixadeiros moradores de São Luís, alguns da microrregião, formação do FDBM – Fórum em Defesa da Baixada Maranhense -, instituição voltada a resolução de demandas em diversas dimensões, sejam políticas, administrativas, no fito de melhorias do padrão de vida baixadeiro.

Em 2017, já como reflexo do trabalho do FDBM, criamos a AMCAL – Academia Matinhense de Ciências, Artes e Letras -. Fruto do anseio meu e de alguns conterrâneos, a Academia de Matinha, “ Casa de Astolfo Serra”, veio congregar talentos dispersos de artistas, cientistas matinhenses, nativos e adotados. Entravamos no seleto grupo de cidades da Baixada a possuir este tipo de confraria. . Fui membro das diretorias dessas duas instituições, alguém adivinha em qual setor ? No âmbito político partidário, derrotas e vitórias aconteceram nesse período. Farei um resumo: Em 2012, vivíamos o primeiro mandato da presidenta Dilma. No governo estadual, Roseana Sarney. A prefeitura de Matinha estava sob a responsabilidade do dr Emanoel Travassos. Não tendo concorrido a sucessão, o prefeito lançou como candidato do nosso grupo, o jovem professor, secretário de finanças, Eldo Jorge Everton Cunha. Fomos derrotados, o povo decidiu pelo retorno do ex-prefeito Marcos Robert Silva Costa, o Beto Pixuta.

Escaldado quanto a perder eleições e “pegar foguetes” no lombo, eu sempre ia pra Arari, antes que estas acabassem, livrando – me desse incomodo tão comum na tradição matinhense. Essa fobia, creio, é resquício da derrota de Pedro Carlos e Tchem, – Ana Rita -, no pleito de 1976, quando eu, papai e mamãe, assustados, presos, na casa velha de vovó Lola, recebemos saraivadas e mais saraivadas de fogos de artificio, na comemoração do vencedor. Não foi possível viajar, nos contentamos em pegar o ônibus na segunda feira, tristes, abalados pela noite mal dormida, com foguetes troando sobre as cabeças. 2014, a presidenta Dilma é reeleita, num embate fortíssimo com Aécio Neves. Movidos por figadal oposição, adversários desde a década de noventa, numa posição centrista, agora migravam celeremente para a extrema direita. No governo estadual, a chegada de Flávio Dino ao poder. Montou-se um esquema de dilapidação, erosão, cumpliciada com legislativo e parte do judiciário, para deposição da presidenta. Em 16, após o impeachment, o vice Michel Temer assume.

Consumava-se a retirada do PT do poder nacional, sem o uso do voto popular. Consequentemente, implementação da política de desmonte dos avanços sociais, civilizatórios, defendidos nos dois governos do partido. 2016, Matinha elege sua primeira prefeita, a professora Linielda Nunes Cunha. Oriunda de uma família diferente das duas até então mandatárias, Linielda possui traços ancestrais afros e de povos originários. 2018, após a deposição de Dilma, a arbitrária prisão e impedimento de candidatura de Lula , líder nas pesquisas, finalmente as elites completam sua missão obscurantista , maquiavélica, fundamentalista, retrógrada : elegem Jair Messias Bolsonaro. A espiral de retrocessos, iniciada em 13, com jovens pelos vinte centavos, turbinada pela globo e outros órgãos da velha imprensa, a internet, chegava ao mais alto escalão da República . Com discurso antiesquerdista, fundamentalista religioso, violento, militar, saudosista da ditadura, entreguista, eivado de preconceito contra minorias, retiradas de direitos, exaltando valores medievais. Tempos trevosos.

Uma boa notícia: Flávio Dino é reeleito governador.

Devastada por pandemia iniciada em 2019, a humanidade chora milhões de pessoas mortas. O Brasil, graças a um governo negacionista, terraplanista, anticiência, inerte em todos os pressupostos, cooperou com 10 % das perdas. As eleições municipais de 20, foram carregadas de cuidado quanto ao contágio da Covid.19. Linielda vence outra vez, e quebra paradigmas: primeira mulher reeleita, primeira líder política a encaixar dois mandatos sem a intervenção das duas famílias que detinham o poder municipal. Responsável pela queda do último bastião de uma tradição política maniqueísta da Baixada Maranhense. 2022, seis anos após a empreitada nazifascista, a nação respirou aliviada: Luís Inácio Lula da Silva, retorna ao poder pela terceira vez. Um triplex do Lula.

No Maranhão, Carlos Brandão vira governador, Flavio Dino, senador. Anos cheios de emoções em diversos aspectos da minha vida. A parte talvez mais horrenda, nefasta, foi constatar in loco a mudança histórica. Parafraseando o locutor Heron Domingues, o famoso Reporter Esso “ testemunha ocular da história”. Desde criança na igreja, participando de eventos estudantis, sindicais, sendo de uma família política, amando esse meio , envolvido sempre, tenho forte identidade com a esquerda, meus heróis foram escolhidos nesse espectro ideológico. As leituras, músicas ouvidas, imperceptivelmente pendiam a poetas, cantores, romancistas, líderes progressistas. Em que pese a sistemática propaganda favorável aos EUA, tendia gostar de Cuba, URSS, países em Desenvolvimento, revoluções. Devido a ditadura militar, não declarava isso peremptoriamente.

Jesus Cristo, meu Salvador, as vezes com sintomas heterodoxos, noutras, ortodoxas, convivia com Fidel Castro, Tche Guevara, Patrick Lumumba, Paulo Freire, Leonel Brizola, Ben Bella, Ernest Hemingway, Simon Bolivar, José Marti, Manoel Beckman, Jorge Amado, Luís Carlos Prestes, Muhamad Ali, Jonh Lennon, Martin Luther King, Neiva Moreira, Carlos Lamarca, dentre tantos. A crença político partidária, forjada numa perspectiva de convivência, com a criação cristã Presbiteriana Independente, algumas dúvidas surgidas, eram dissipadas com exemplos, por defensores da teologia da libertação, pastores progressistas, meu Cristo é Socialista. Atividades fora do arraial religioso, complementavam obrigatoriamente, a confirmação da Fé. Fui líder na mocidade, participei de eventos fora do Maranhão; membro do Conselho da IPIB Matinha, representante no Presbitério, e sempre houve respeito reciproco. Ali, o que importava , era o amor a Deus.

Nos espaços de luta política sindical ou similar, onde a religião não importava muito, tinha orgulho em comprovar minha crença metafisica, ante muitos que se identificavam ateus, agnósticos. Essa coexistência pacífica, acompanhou a centenas de cristãos da nossa geração. Citarei dois: Zwingle Pinheiro Braga e Elves de Sena Ferreira. Ambos com muitas histórias ao meu lado. No legislativo eram poucos os deputados que seguiam as hostes contrárias a igreja católica, aqui acolá um vereador, deputado estadual ou federal. Havia uma opinião tácita de que política e protestantismo não se compatibilizavam. Então, esses eleitos, eram suportados. De repente, creio que com o advento do neopentecostalismo, a mudança de protestante para evangélico, mudou. Pastores, lideranças, trabalhavam para sair candidatos, ou impunham, por intermédio do terror religioso, candidatos ligados as suas denominações. Tudo isto, na transição entre sair de Matinha e instalar-me em São Luís. Acirrou-se – quando eu e Antonia fomos questionados na nossa fé, devido sermos filiados ao PT, por não apoiarmos a corrente protofascista que se apresentava.

Presenciamos coisas escabrosas, recebíamos telefonemas de irmãs e irmãos, chamando Lula, o PT, a esquerda de diabólicos, enaltecendo ídolos deles. Esses assédios chegaram ao ponto culminante quando da eleição do inelegível. Alguns pastores tornaram-se insuportáveis misturando pregação da Palavra com exaltação ao seu mito e demonização do Hadadd. Hoje vemos o resultado: igrejas, lideres, membros, arrastados pelo fundamentalismo, o Brasil virando um Evangelistão, escândalos dominando o povo, o ódio às minorias predominando, defesa de pautas fora do corpo do Mestre, inserção de símbolos judaicos no Cristianismo, o amor , razão de nossa Fé, cada vez mais distante. Pondo numa balança, minha saída de Matinha nestes anos, mais benéfica que ruim. Se fosse escolher a maior ? Sem dúvida, milhares de quilômetros das outras, a descoberta do talento em escrever. Na adolescência, enveredei rabiscando poesias, acho que até hoje tenho um caderno, bem antigo guardado em algum lugar, ou já perdido pra sempre. No curso, o pavor se apoderava de mim, quando inicialmente precisava preparar trabalhos, penava passar da primeira página.

Com o tempo, leitura, muita leitura, dilatei a mente, ideias brotaram, expandiram-se no papel. Ficava manhãs inteiras na biblioteca central da UFMA, folheando, anotando, estruturando conteúdos de livros, obrigatórios ou não. Surgiram composições, expressando principalmente a constante saudade de Matinha. Diria, um pouco como Carlos Drumond de Andrade, “: Matinha era nesse momento, apenas um retrato na parede, mas, doía tanto”. O trabalho, que poderia chamar pioneiro, foi “ Nomes Exóticos de Matinha “. Só com apelidos dados a matinhenses ou moradores da cidade. Capijuba, Palá, Chapô, Pixuta, Puchuca, Chapimba, e por aí vai… O segundo, sempre com a memória da terra acossando, “Obituário Matinhense “. Postado no facebook em razão do dia de Finados. Traz cidadãs e cidadãos que conheci nos 50 anos vividos – a época -, e que haviam sidos transladados para o outro lado. Bem mais elaborado, mostra peculiaridades: não cita o prenome de nenhum vivo, assim, pessoas já falecidas, não apareceram em virtude de serem chamadas “ fulano ou fulana, de sicrano ou sicrana” e este ou esta, ainda estar por aqui.

Todos e todas, conviveram comigo, de uma forma ou de outra. Uns mais proximamente, outros distantes. O plano era prestar reverencia a papai, mamãe e Tchem, nessa data cultuada. Escrever tornou-se vital para mim. Durante as – sagradas e diárias – idas e vindas ao Mateus da Cohama, matutava, remoía, assuntos que objetassem uma crônica. E eles brotavam, as vezes tímidos, outras avassaladores. Cheguei a engendrar três ao mesmo tempo. Devo tudo a possibilidade de cursar Filosofia. Metaforicamente, foi como se saído de local escuro, adentrasse uma sala, e a cada passo dado, abrissem claros degraus, acessíveis a luz, mas, impossíveis de chegar ao alcance. Pois, sempre que avanço, eles se multiplicam. Creio ter mais de 150 textos postados, juntando com os trabalhos obrigatórios do curso, daria para editar um ou dois livros. Aliás, sou cobrado por ainda não ter feito tal ato. Respondo, não me apetecer: É caro, e num olhar estritamente capitalista, sem retorno financeiro.

Ademais, meus textos são desde os primevos, veiculados gratuitamente no Blog do Jailson Mendes, o terceiro mais acessado do Maranhão, primeiro da Baixada. Não é exagero falar, que uma publicação tem num só dia, acima de 10 mil acessos, inimaginável de acontecer com um livro. Meu estilo é eclético, polivalente. Iniciei com causos, coisas de Matinha e Baixada, isto permanece majoritário, no entanto, paulatinamente, agreguei outros motes. Incursiono temas cotidianos, políticos, biográficos, econômicos, familiares, climáticos, astronômicos, musicais, etc. sempre que possível, inserindo fundamentos, conceitos, ideias filosóficas. Não consigo, acho justo, dizer qual tenho maior apreço, amo todos, são como filhos. A maior dor que sinto é retirar uma linha, parágrafo, páginas já consolidadas no computador.

Parafraseando Maria de Lola “´dói na alma” . É como a perda de um membro.

Retornei a Matinha em março de 24, e iniciei a melhoria da nossa casa. Adquirida em 1994, estava bem debilitada. A história dessa casa merece um texto a parte.
Após doze anos, muita coisa mudou, outras permanecem iguais. Enternecia, receber palavras de carinho e alegria de amigas e amigos, ao nos reverem Estou com dificuldades em estabelecer nova rotina de vida. Vou praticamente a São Luís de 15 em 15 dias, a razão são os problemas de saúde. Isto tem seu lado bom, revejo os filhos e o neto amado. Por pressão da família e de um colega de curso que se tornou amigo, comunheiro, hoje doutor em Filosofia, retomei o curso, que havia deixado. Estou bem animado.

2024, é mais um ano eleitoral, gestoras(es) serão colocados a prova. Três candidaturas estão postas na terra da manga: Nilton Everton, do nosso grupo. Florimar Bastos, vereador, ex aliado, primo do candidato da prefeita. Narlon Silva, atual vice-prefeito. A geopolítica do mundo e do país, inspira cuidados. No rastro das ascensões de Donald Trump, Jair Bolsonaro, Victor Urban, Valodomir Zelensky, a extrema direita mobilizou -se, situação parecida com a do início do século XX, quando regimes de terror floresceram na Europa. Mostrando força em países do velho continente, a impressão é que iriam arrasar nas eleições legislativas 23/24. Ledo engano, sofreram derrotas na Espanha, Portugal, Grã-Bretanha, França. Estas vieram somar-se na América Latina a Brasil, Chile e Mexico e proximamente Venezuela.

Falta agora os EUA, onde Trump reinava absoluto, sobre o decadente Joe Biden. A renúncia deste a reeleição, abriu espaço para a vice Kamala Harris, descendente de imigrantes, mulher, negra, aparentemente mudou o clima. Forças progressistas, tomaram folego com as melhorias do país, após o governo Lula. Estão animadas, competitivas, dispostas a derrotar fascistas, especialmente nas grandes capitais. Isto é essencial para virar o jogo contra eles, chegar tinindo em 26, pois, hoje são hegemônicos no parlamento. Na sociedade, aquele ambiente de ódio explicito, deu lugar a esperança de novos dias. Passamos de 13ª economia em 22 a 8ª. Tudo graças ao genial velhinho que hoje é tri, mas almeja o tetra.

O desenrolar da história, acompanharemos de perto. Diferentemente do apregoado pelo filosofo nipo-estadunidense Francis Fukuiama, no começo da década de 1990, esta não acabou. Espero em Deus saúde, disposição, para fazer aquilo que hoje me alegra, entusiasma: escrever, discorrer sobre atos e fatos, deixando meu legado, permitindo as novas gerações, o conhecimento e a preservação da cultura. Estou de volta Matinha. Aliás, acho que nunca sai daqui.

2 respostas para “Texto de João Carlos Costa Leite: A volta do que não foi…”

  1. Camara e irmão João Carlos. Te desejo um excelente retorno a Matinha. Certamente Matinha ganha com o retorno de um filho ilustre. A Igreja também ganha, com um homem experimentado, amadurecido…Caminhar junto com você meu companheiro e irmão na vida e eclesiástica, sindical e na política partidária foi uma benção e continuará sendo, porque meu companheiro e irmão: a luta continua.
    Felicidades João Carlos. Que Deus continue te abençoando.
    Elves de sena ferreira

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