O austro – britânico, Karl Popper, considerado um dos maiores filósofos da ciência do século XX, propõe no livro The Open Society And Its Enemies, ( A Sociedade Aberta e Seus Inimigos), em português, O Paradoxo da Tolerância. Publicado no ano de 1945, em Londres, final da Segunda Guerra Mundial, enunciava que no ambiente social, a tolerância irrestrita, leva ao desaparecimento desta. Devemos “reservar o direito de não tolerar os intolerantes”, escreve Popper.

O dicionário Michaelis define tolerância como ato ou efeito tolerar, admitir, aquiescer. Um aforismo na Alemanha, país destroçado pela ideologia nazista, consigna: “ Se há dez pessoas numa mesa, um nazista chega, se senta, e ninguém se levanta, temos então, onze nazistas numa mesa”.
O hodierno quadro ideológico, remonta a 1789, quando do início da Revolução Francesa. Esta objetivava o fim da monarquia e a criação de uma república baseada nos princípios de Liberdade, Igualdade, Fraternidade. (Liberté, Ègalité, Fraternité), em francês.
O embate dava-se na Assembleia Nacional, que preparava a Constituição destinada a reger a França.
Na grande mesa de debates, girondinos, representantes da alta burguesia, clero, monarquia, ambicionavam a não participação dos trabalhadores urbanos e rurais na política, sentavam-se do lado direito; a esquerda, posicionavam-se os jacobinos, da baixa burguesia, partidários da maior participação popular no poder.
O sistema Capitalista, surge no final do século XIII, a partir da decadência do Feudalismo e do nascimento de uma nova classe social, a burguesia.
As grandes navegações, perpetradas por europeus durante os séculos XV e XVI, já mostravam a face e os caminhos do sistema econômico que numa breve síntese, tem como fins principais, o lucro, a propriedade privada e a acumulação do capital.
Hegemônico, somente no século XVIII, compilou -se seus fundamentos. No livro a Riqueza das Nações, lançado em março de 1776, o filósofo, professor e economista escocês , Adam Smith inaugura os princípios da liberdade de mercado. Não por acaso, Smith é considerado o pai do Capitalismo. Os movimentos registrados na história, não mostravam perigo ao único e inatacável domínio econômico das nações.
Desde a Reforma Protestante, passando pela Contrarreforma; disputas entre reinos, guerras napoleônicas, Independência Norte Americana, Independência do Brasil e países latinos, Revolução Francesa, guerra do Paraguai, guerra civil dos Estados Unidos, dentre outras agitações emancipatórias ou não, reinvindicações e resultados, não tocavam, tentavam mudar, o dispositivo vigente; exceto em um:
1871, ocorre na França, o que historiadores chamam de “experiencia inaugural de um governo proletário no mundo”, a Comuna de Paris, que durou de março a maio desse ano. Derrotada, após intensa carnificina, despertou a reação de um núcleo popular, ante burgueses, monarca e clero.
Surge minúscula, porém, destacada insurgência aos ricos e poderosos, com a possibilidade real de governo diferente. Plasmava-se a” luta de classes.”
O verbete comunista, era corriqueiro no seio da intelectualidade europeia desde o final do século XVIII, quando em 1793, o romancista francês da região de Yonne, Nicolas Edme Restif de La Bretonne, o usou em algumas de suas obras.
Filho de agricultores, Restif de La Bretonne, teve uma conturbado trajeto de vida. Acredita-se que sua índole na proteção, apoio, aos menos favorecidos, deu-se em virtude do berço rural originário, e do acesso a produções e autores, que o oficio de tipógrafo, permitia ler e dominar.
Em 1867, Karl Marx, filósofo, sociólogo, economista, historiador, jornalista, teórico político, revolucionário socialista alemão, lança o primeiro volume, do total três, do livro O Capital, propondo uma interpretação crítica do Capitalismo, como contraponto aos economistas liberais, notadamente, Adam Smith.
Concepções como classe, trabalho, meios de produção, mais-valia, categorias sociais, dentre outros, estabeleceram a corrente filosófica do marxismo.
Descerrava- se definitivamente a liça norteadora dos fóruns de discussão, acadêmicos ou não, perpassando por estruturas que permeiam a sociedade, no que tange ao Estado, escolas, institutos, igrejas, fundações, associações de todas as espécies, desenvolvendo gamas de resultados e reações.
Em 1848, o indócil Marx, já legara a humanidade, em parceria curiosamente com o empresário industrial e teórico revolucionário Friedrich Engels, o Manifesto Comunista.
Precursor na análise das formas de opressão, tece duras críticas ao modo de produção capitalista e a maneira como a sociedade se construiu através dele.
O materialismo dialético, entendido como uma compreensão concreta das grandes transformações da história e das sociedades humanas, é inserido na conjuntura.
Tornar-se-ia enfadonho debater fundamentos da competição Comunismo/Capitalismo, idiossincrasias, particularidades, das composições, divergências, recomposições, facções, segmentos, inerentes a ambos.
O inglês John Locke, em 1689, escreve a Carta sobre a Tolerância, apaixonado arrazoado acerca da separação entre Estado e Religião, determinando os limites do poder político e asseverando que jamais o Estado pode promulgar leis assentadas em preceitos religiosos.
Locke viveu no século XVII; a separação entre igreja e Estado é defendida desde 1517, – século XVI – quando Martinho Lutero, monge agostiniano e professor de teologia germânica, demarcou a gênese da Reforma Protestante, afixando na porta da igreja de Wittenberg, documento contendo 95 teses, questionando o arbítrio papal, a venda de indulgencias.
Temos então, quase seiscentos anos de Lutero a Popper, confrontos, as vezes sangrentos, outras não, perpassando dois períodos históricos – Idade Moderna e Contemporânea -, avanços científicos formidáveis, inúmeras revoluções, duas guerras mundiais, exponencial aumento da população, cura de doenças, novos conceitos filosóficos, sociais, morais. etc.
Final do século XV e inicio do XVI, o mundo estava envolto com as grandes navegações; o transporte feito por cavalos, as armas de fogo insignificantes; dos continentes existentes, só três conhecidos. A história que aprendemos na escola, apresenta poucas nações organizadas, e apenas na Europa.
O quadro político administrativo atual na imensa maioria dos países do ocidente, baseia-se em premissa concebida por Charles – Louis Secondat, Barão de La Bréde e de Montesquieu, ou simplesmente, Montesquieu, político, filósofo e escritor francês.
Nascido de família aristocrática, na cidade de Bordeax, em 18 de janeiro de 1689, Montesquieu foi fortemente influenciado pelo Iluminismo, movimento intelectual surgido em seu país de origem, no século XVII, cuja principal característica enfatizava o uso da razão substituindo a fé, na resolução dos temas sociais.
O pensamento de Montesquieu manifestou-se na obra O Espirito da Leis, publicada em 1748, apontando a separação no Estado dos poderes, Executivo, Legislativo e Judiciário; materializou-se quando da independência dos Estados Unidos da América. Em 04 de julho de 1776, o vínculo colonial com a Inglaterra é rompido e nova nação surge, num modelo republicano e federalista, inspirada pelos ideais iluministas, e instituindo o que Montesquiou apregoara.
A Teoria da Separação dos Poderes, ou sistema de freios e contrapesos. Tornou-se padrão constitucional em praticamente todas as nações democráticas do mundo. As principais Repúblicas e até algumas monarquias constitucionais, adotam tal arquétipo já a algumas décadas, referendando um processo de quase normalidade e equilíbrio entre as populações..
Eleições universais e periódicas, garantem o rodizio de blocos com composições ora a direita, ora a esquerda, ou centro. Tudo sempre dentro das quatro linhas, como dizia aquele ex-presidente.
Nos EUA, o revezamento Republicanos X Democratas, tem mais de dois séculos; no Brasil, desde a redemocratização, a partir de das eleições de 1989, grupos de esquerda moderados e de direita palatável, toleram-se nos municípios, estados e federação.
Com o advento da internet, novo cenário se apresenta, nos obrigando a uma outra ordem de convívio.
O Paradoxo da Tolerância, aponta para reservar o direito de não tolerar os intolerantes, sob pressuposto de que a liberdade de expressão é um dos pilares de uma sociedade democrática.
Questionamentos se levantam ante a realidade completamente diferente da que Popper experenciou
:Até onde vai a liberdade de expressão? Quais os limites da Democracia? Como conter atos de ódio contra minorias, trabalhador@s, – mulheres, idosos, pessoas com deficiência, povos originários, quilombolas, negros, ciganos, LGBTSQIA+ ? Como assegurar direitos de refugiados?
De origem judaica, Popper viveu num período enodoado por intolerâncias e contradições.
Presenciou a ascensão e consolidação de regimes autoritários e assassinos; viu o horror do holocausto e a queima de livros por Adolph Hitler; a brutal perseguição a intelectuais e cientistas de descendência semita, como Walter Benjamin, Hanna Arendt, Albert Einstein, Robert Oppenheimer, dentre tantos; e a tristeza de um filósofo da envergadura de Martin Heidegger, apoiar regime tão nefasto, como o pregado pelo Führer.
Aplaudiu a vencedora união de representantes de Marx e Smith, – Estados Unidos e União Soviética- dois regimes antagônicos, para conter o avanço i do nazifascismo.
A intolerância hoje incorporou recursos, subsídios, que a tornam infinitamente mais tóxica que na época de Popper. As redes sociais, a deep web, têm pouco ou nenhum controle, pessoas são caçadas, canceladas, aviltadas, ao bel ´prazer de pensamentos e ações criminosas, violentas, preconceituosas, degradantes, na certeza do anonimato e da impunidade.
O Paradoxo da Tolerância não se trata de mera figura semântica, está muito além. Karl Popper deixa um legado pautado naquilo que parece ser mais caro a concepção do amor a sabedoria, conceitualmente reputado por Filosofia: outorgar a humanidade respostas incomodas e nem sempre de fácil entendimento.
Resta saber como esta geração lidará com a questão proposta.
João Carlos da Silva Costa Leite, nascido em Matinha, bancário aposentado, cursou Filosofia na UFMA. É membro do FDBM -, Fórum em Defesa da Baixada Maranhense e da AMCAL – Academia Matinhense de Ciências, Artes e Letras, ocupando a cadeira 17, patroneada por Maria José da Silva Costa Leite.
Uma resposta para “Artigo de João Carlos Costa Leite: O paradoxo da tolerância. Como tolerar intolerantes?”