Artigo de João Carlos Costa Leite: O paradoxo da tolerância. Como tolerar intolerantes?

O   austro – britânico, Karl Popper,  considerado  um dos maiores filósofos da ciência do século XX, propõe no livro The Open Society And Its Enemies, ( A Sociedade Aberta e Seus Inimigos), em português, O Paradoxo da Tolerância. Publicado  no ano de 1945, em Londres,  final  da Segunda Guerra Mundial,  enunciava  que  no ambiente social, a tolerância irrestrita, leva ao desaparecimento desta. Devemos  “reservar o direito de não tolerar os intolerantes”, escreve  Popper.

Karl Popper

O dicionário Michaelis define  tolerância como ato ou efeito tolerar,  admitir,  aquiescer. Um aforismo   na  Alemanha,   país  destroçado pela  ideologia nazista,  consigna: “ Se há dez pessoas numa mesa, um nazista chega,   se senta,  e  ninguém  se levanta,  temos  então,  onze nazistas numa mesa”.

O hodierno   quadro ideológico, remonta a 1789, quando do início  da Revolução Francesa. Esta  objetivava  o fim da monarquia e a criação de uma república baseada nos princípios  de Liberdade, Igualdade, Fraternidade. (Liberté, Ègalité, Fraternité), em francês.

O embate  dava-se na Assembleia Nacional, que preparava a Constituição destinada a reger a França.

Na grande mesa de debates,  girondinos, representantes da alta burguesia, clero, monarquia,   ambicionavam  a não participação dos trabalhadores urbanos e rurais na política, sentavam-se do lado direito; a  esquerda, posicionavam-se os jacobinos, da baixa burguesia, partidários  da  maior participação popular no poder.

O sistema Capitalista, surge no final do    século XIII, a partir da decadência   do Feudalismo  e do nascimento de uma nova classe social, a burguesia.

 As grandes navegações, perpetradas por  europeus  durante os séculos XV e  XVI, já mostravam a face e os caminhos do sistema econômico  que numa breve síntese, tem como  fins  principais,  o  lucro, a propriedade  privada e a acumulação do capital.

 Hegemônico,  somente no século XVIII,  compilou -se  seus fundamentos.  No livro a Riqueza das Nações, lançado em março de 1776, o filósofo, professor e economista escocês , Adam Smith   inaugura os  princípios da liberdade de mercado. Não por acaso, Smith é considerado o pai do Capitalismo. Os movimentos registrados  na história,  não mostravam  perigo ao  único  e inatacável   domínio econômico das nações.

 Desde a Reforma Protestante, passando pela Contrarreforma; disputas entre reinos, guerras napoleônicas, Independência Norte Americana, Independência do Brasil e países  latinos, Revolução Francesa, guerra do Paraguai, guerra civil dos Estados Unidos,  dentre outras agitações emancipatórias ou não, reinvindicações e resultados, não tocavam, tentavam mudar, o dispositivo   vigente; exceto em um:

 1871, ocorre na França, o  que  historiadores chamam de  “experiencia inaugural   de um  governo proletário no mundo”, a Comuna de Paris, que durou de março a maio desse ano. Derrotada, após intensa carnificina,   despertou a  reação de um núcleo popular,  ante  burgueses, monarca e  clero.

 Surge  minúscula,  porém,  destacada  insurgência  aos ricos e poderosos, com a possibilidade real de governo diferente. Plasmava-se   a” luta de classes.”

O verbete  comunista,  era corriqueiro   no seio da    intelectualidade europeia desde o final do século XVIII,  quando em 1793,  o romancista   francês da região de Yonne, Nicolas Edme Restif de La Bretonne, o usou em algumas  de suas obras.

Filho de agricultores, Restif de La Bretonne, teve  uma  conturbado trajeto   de vida.  Acredita-se que sua índole na  proteção, apoio,    aos  menos favorecidos, deu-se   em virtude do berço rural originário,   e do  acesso    a  produções   e autores, que o  oficio de tipógrafo,  permitia   ler e  dominar.

Em 1867, Karl Marx,  filósofo, sociólogo, economista, historiador, jornalista, teórico político,  revolucionário socialista alemão, lança o primeiro volume, do total três, do livro O Capital,  propondo  uma interpretação crítica do  Capitalismo, como  contraponto aos economistas liberais, notadamente,  Adam Smith.

Concepções  como classe, trabalho, meios de produção, mais-valia, categorias sociais, dentre outros, estabeleceram   a corrente filosófica  do marxismo.

Descerrava- se   definitivamente a liça  norteadora   dos fóruns de discussão, acadêmicos ou não, perpassando por  estruturas que permeiam a sociedade,  no que  tange   ao Estado, escolas, institutos, igrejas, fundações, associações de todas as espécies, desenvolvendo  gamas de   resultados e reações.

 Em  1848, o  indócil Marx, já legara a humanidade, em parceria curiosamente com o empresário industrial e teórico revolucionário Friedrich Engels, o Manifesto Comunista.

 Precursor   na análise  das  formas de opressão,  tece  duras críticas ao modo de produção capitalista e a maneira  como a sociedade se construiu  através dele.

O  materialismo dialético,   entendido  como uma compreensão concreta das grandes transformações da história e das sociedades humanas, é  inserido na conjuntura.

 Tornar-se-ia enfadonho debater fundamentos da competição Comunismo/Capitalismo, idiossincrasias, particularidades, das   composições, divergências, recomposições,  facções, segmentos, inerentes a ambos.

 O inglês  John Locke, em 1689,  escreve a Carta sobre a Tolerância,  apaixonado arrazoado   acerca  da separação entre Estado e Religião,  determinando   os limites do poder político  e  asseverando que jamais o Estado pode promulgar leis assentadas   em preceitos religiosos.

Locke viveu no   século XVII;  a   separação entre igreja e Estado  é defendida desde 1517, – século XVI – quando Martinho Lutero, monge agostiniano e professor de teologia germânica, demarcou   a gênese  da  Reforma Protestante, afixando na porta da igreja de Wittenberg,  documento  contendo  95 teses, questionando  o arbítrio   papal,   a venda de indulgencias.

Temos então, quase seiscentos anos de Lutero a Popper,   confrontos, as vezes sangrentos, outras  não, perpassando dois períodos históricos – Idade Moderna e  Contemporânea -, avanços científicos formidáveis, inúmeras revoluções, duas guerras mundiais,  exponencial aumento da população, cura de doenças, novos conceitos filosóficos, sociais,  morais. etc.

 Final do século XV e inicio do XVI, o mundo   estava envolto com  as grandes navegações; o transporte  feito por cavalos, as armas  de fogo  insignificantes;  dos continentes existentes, só três  conhecidos. A história que aprendemos na escola, apresenta  poucas nações organizadas,  e apenas na Europa.

O quadro político administrativo atual  na imensa maioria dos países do ocidente, baseia-se em  premissa concebida   por Charles – Louis Secondat,  Barão de La Bréde e  de Montesquieu, ou simplesmente, Montesquieu, político, filósofo e escritor francês.

Nascido   de   família aristocrática,  na cidade de Bordeax, em 18 de janeiro de 1689, Montesquieu foi fortemente  influenciado  pelo Iluminismo, movimento intelectual surgido em  seu país de origem, no século XVII, cuja principal característica enfatizava o uso da razão substituindo  a fé,  na resolução dos temas sociais.

O pensamento de Montesquieu  manifestou-se na obra O Espirito da Leis, publicada em 1748, apontando a separação no Estado dos poderes, Executivo, Legislativo e Judiciário;  materializou-se   quando da independência dos Estados Unidos da América. Em 04 de julho de 1776, o vínculo colonial com a Inglaterra é rompido  e  nova nação surge,  num modelo republicano e federalista, inspirada pelos ideais iluministas, e instituindo o  que  Montesquiou  apregoara.

  A  Teoria da Separação dos Poderes, ou sistema de freios e contrapesos.  Tornou-se  padrão  constitucional    em praticamente todas  as nações democráticas do mundo. As principais Repúblicas e até algumas monarquias constitucionais, adotam  tal arquétipo já a algumas décadas, referendando um processo de quase normalidade e  equilíbrio entre as populações..

 Eleições universais e periódicas, garantem o rodizio de blocos com composições ora a direita, ora  a esquerda, ou centro. Tudo sempre dentro das quatro linhas, como dizia aquele ex-presidente.

Nos EUA, o revezamento  Republicanos X Democratas,  tem mais de dois séculos;  no Brasil, desde a redemocratização, a partir de das eleições de 1989, grupos de esquerda moderados e de direita palatável, toleram-se nos municípios, estados e federação.

 Com o  advento da internet,  novo cenário  se apresenta, nos obrigando a uma  outra ordem de convívio.

 O Paradoxo da Tolerância,  aponta para reservar o direito de não tolerar os intolerantes, sob  pressuposto de que a liberdade de expressão é um dos pilares de uma sociedade democrática.

 Questionamentos se levantam  ante a realidade completamente diferente da que Popper experenciou

:Até onde vai a liberdade de expressão?  Quais os limites da Democracia?    Como conter atos de ódio contra minorias, trabalhador@s, – mulheres, idosos, pessoas com deficiência,  povos originários, quilombolas, negros, ciganos, LGBTSQIA+ ? Como assegurar direitos de refugiados?

 De origem judaica,  Popper viveu   num período enodoado  por  intolerâncias e   contradições.

 Presenciou a ascensão e consolidação de regimes autoritários e assassinos;  viu  o horror do holocausto  e a queima de livros por Adolph Hitler;  a brutal perseguição a intelectuais e cientistas de descendência semita,   como Walter Benjamin, Hanna Arendt, Albert Einstein, Robert Oppenheimer, dentre tantos; e   a   tristeza de um filósofo da envergadura de  Martin Heidegger, apoiar  regime tão nefasto, como o pregado pelo  Führer.

Aplaudiu a vencedora  união de representantes  de Marx e Smith, – Estados Unidos e União Soviética- dois regimes  antagônicos, para conter o avanço i do nazifascismo.

 A  intolerância hoje   incorporou recursos, subsídios,  que a tornam infinitamente mais tóxica  que na época  de Popper.  As redes sociais, a deep web,  têm pouco ou nenhum controle, pessoas são caçadas, canceladas, aviltadas,  ao bel ´prazer de pensamentos  e ações criminosas, violentas, preconceituosas, degradantes, na certeza do anonimato e  da impunidade.

O Paradoxo da Tolerância não se trata de mera figura semântica, está muito além.  Karl  Popper   deixa um legado pautado  naquilo que parece ser mais caro a concepção do amor a sabedoria,  conceitualmente reputado  por Filosofia: outorgar   a humanidade respostas incomodas e nem sempre de fácil entendimento.

Resta saber como esta  geração lidará com a questão proposta.

João Carlos da Silva Costa Leite, nascido em Matinha, bancário aposentado, cursou Filosofia na UFMA. É membro do FDBM -, Fórum em Defesa da Baixada Maranhense e da AMCAL – Academia Matinhense de Ciências, Artes e Letras, ocupando a cadeira 17, patroneada por Maria José da Silva Costa Leite.

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