COLUNA DO PROFESSOR MARCONDES: PRECONCEITO, UM ESTIGMA SOCIAL

Professor Marcondes
A estupidez tem muitos nomes, pois se manifesta sob diversas formas, em diferentes oportunidades e circunstâncias. O preconceito é um desses nomes. As pessoas nutrem irracionalmente uma ideia preconcebida sobre algumas situações, determinam preferências a respeito de algo e alimentam antipatias pessoais sem saberem explicar pra si mesmas a razão, caso tenham um momento de lucidez que lhes permita um questionamento sobre essas adversidades àquilo que não conhecem, não provaram, não testemunharam, não viveram.

Como toda maldade alimenta-se da intolerância, reproduz-se em silêncio e deixa marcas irreversíveis, atrapalha e cerceia o processo evolutivo quando se revela pela exclusão dos valores que poderiam ser úteis, principalmente à educação, à preparação dos jovens. Ao longo da história tem-se evidenciado das formas mais abjetas e sangrentas: guerras, fogueiras, escravidão, apartheid, nazismo, perseguições. Até a ciência foi usada para alimentar o ódio inter-racial, com teorias esdrúxulas que pregavam a superioridade de determinado ser humano sobre outro.

É difícil admitir, porque o preconceito geralmente é discutido quando comprovado, condenado, exposto à opinião pública sobre a forma de um determinado fato consumado, mas cada um de nós já foi, e ainda é, vez ou outra, preconceituoso. Pra sorte de todos, uns mais e outros bem menos!Com a evolução da sociedade e o acúmulo de sofrimento, o preconceito sob a forma de racismo, discriminação, está hoje formalmente confinado à condição de crime hediondo e injustificável. Mas basta olhar brevemente para o mundo contemporâneo e vamos constatar que mesmo nas comunidades mais simples, pobres, a exemplo das ricas e cultas, ecoa o discurso fascista e xenófobo.

Em uma comunidade que se intitula democrática, resultante de uma história miscigenada, heterogênea e sincrética como a nossa, falar em preconceito, racismo, discriminação, constitui-se em uma espécie de heresia, uma tese insustentável diante da cordialidade de nosso povo. O máximo que pessoas elegantes permitem-se dizer é que há algum nível de preconceito, atitude pouco expressiva. Dentre todas as injustas manifestações preconceituosas a racial é a mais conhecida e tem-se mostrado sobremaneira contra os negros, justamente aqueles que possuem razões em excesso para oporem-se aos demais, em represália a tudo quanto passaram a partir do forçado desterro de sua pátria mãe e trabalho sob castigos, açoites em diversas partes do mundo onde marcaram com significativa dominância a formação cultural.

Em todos os grupos de relacionamento humano desponta certo tipo de preconceito, o que nos dá a clara certeza de que temos uma ideia e uma atitude esboçada à mercê da oportunidade para manifestarmos. Assim é que percebemos na conceituação e condução da nossa doutrina religiosa como verdadeira, detraindo as demais; nos relacionamentos com os homossexuais e com todos aqueles que se mostram espontaneamente ou exibem naturalmente diferenças, quer sejam físicas quer sejam de conduta, jeito de viver, perdendo suas condições de gente, passando a constituírem-se como objetos de discriminação e rejeição. 

Apesar de incorrer ainda em subdivisões em algumas situações preconceituosas, onde a mulher passa a ser vítima mais castigada, afirmo que a discriminação contra o pobre é a mais dominante sobrepondo-se às demais. Porém aquela que mais nos causa revolta é a discriminação dos deficientes, estendidas ao julgamento de suas potencialidades profissionais. Volto à discriminação dos negros, como base de minha argumentação e lembro que historicamente, o sofrimento originado pela exclusão preconceituosa acumulou-se, alimentou revoltas e insuflou o desejo dos discriminados em recolherem-se, fecharem-se em redutos, guetos, quilombos, servindo para fortalecer culturas especiais que posteriormente se mesclaram à cultura geral do povo, perfazendo admiráveis contextos culturais aqui e alhures.

O resultado disso e mais precisamente, do tardio reconhecimento e da diminuta valorização dos grupos dos excluídos é o confinamento legal do preconceito, sob a forma de racismo, à condição de crime hediondo e injustificável. Se atentarmos para o mundo a nossa volta, em qualquer tipo de comunidade, desde as mais simples, pobres, às mais complexas, ricas, cultas constataremos o eco de discursos fascistas e xenófobos alardeados com o propósito de fortalecer posturas aversivas. Nossa sincrética comunidade julga hipocritamente certas posturas como insustentáveis, mas isto depende muito de quem as pratica. 

Alguns têm direito à soberbia, outros à humildade, os ditames estão intrinsecamente ligados à situação financeira ou exercício do poder público – que invariavelmente leva os ostentadores ao poderio econômico, usufruídos com arrogância e prepotência denotando a existência de dois pesos e duas medidas, que teimam em conviver em falsa harmonia e vão-se adulterando conforme necessidades. Comparando-se a outros centros, realmente são raras entre nós as manifestações públicas de racismo. Numa engenhosa arquitetura de dissimulação, a ojeriza à diferença se apresenta de forma velada e anônima. 

Só a conduta norteada pelo partidarismo político arranca a máscara da hipocrisia em nosso meio, na medida em que atitudes politiqueiras são manifestadas nos embates configurados como campanhas, onde os adversários denunciam-se ao povo expondo falhas, possíveis defeitos alheios,condutas íntimas, insuflando uma reação preconceituosa que lhes favoreça, muito mais que interessados em cativá-los pelas propostas, tanto quanto os “devotados” eleitores que os acompanham como se não possuíssem ideias próprias. 

Neste país múltiplo e cheio de contrastes, no qual muitas gerações se perdem por conta da omissão e do descaso ainda existem pessoas conscientes dos valores culturais e dos anseios da juventude, compromissados e voltados para uma educação aplicada de forma igualitária, construtora de um futuro onde se contemple o mundo sem quaisquer distinções, muito menos de raça, cor religião ou postura política. Um mundo miscigenado, heterogêneo e sincretista onde todos, indistintamente, tenham oportunidades de usufruir de uma cidadania real e democraticamente igualitária, desprovida de todo e qualquer preconceito.

Folha de SJB

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