Artigo de João Carlos Costa Leite: Morte: o fim de todos de tudo?

João Carlos Costa Leite – “Pois, na morte, não há recordação de ti, no sepulcro, quem te dará louvor?”. Salmos 6,5. Tradução em português, Joao Ferreira de Almeida. Mamãe adorava citar esse texto bíblico, geralmente o fazia quando conversávamos a respeito dos desdobramentos do pós vida, suas consequências, dentre outras observâncias do espinhoso, enigmático e polêmico assunto, vida/ morte.

Texto é do matinhense João Carlos Costa Leite

Esse tema sempre foi tabu na história. Embora saibamos sua inevitabilidade, a tratamos em diferentes escalas nas sociedades organizadas. O dicionário Michaelis em versão online dá significação a palavra: “ cessação definitiva da vida para o ser humano, falecimento, passamento, trespasse.” Definição limitada, pois refere-se aos humanos, sabe-se já de muito, que morte/ vida se entrelaçam. E se há uma verdade cientifica consolidada, é que ninguém é imortal, no plano físico, concreto. Sejam animais – racionais /irracionais,-, células, vírus, rios, lagos, mares ,nações, continentes, planetas, estrelas, sistemas solares, galáxias, universo(s)?

Varia só a forma de nascer/morrer e a duração. Para uns, segundos, horas, dias, séculos; para outros, milhares, milhões, bilhões de anos. Religiões de cunho monoteístas, Islamismo, Judaísmo, Cristianismo, bem como quase todas as formas de crenças, ocidentais ou orientais, asseveram, distintas na forma e conteúdo, que depois da morte corpórea , outra vida acontece. Isto posto, a realidade, – pelo menos até prova em contrário, – a nós, únicas criaturas pensantes do planeta, é que ulterior ao cessamento da batida do coração, outro mundo se apresenta. Cabe lembrar premissas daqueles que testificam, –são minoria -, creem solidamente, na não vida após a morte, ou seja, aqui, tudo se acaba.

A Filosofia, tida como o suprassumo do conhecimento, episteme, possui entre alguns dos seus próceres, defensores do argumento, que não estamos reduzidos a realidade exposta. Discípulos de Pitágoras, foram influenciados pela doutrina do Orfismo, fraternidade religiosa, das muitas a povoar a Grécia antiga, que acreditava na não entrega da alma à morte .Supõe-se que Sócrates e Platão, também incorporaram esse raciocínio.

Dona Elza, grande amiga da nossa família, detinha curiosa maneira de consolar as pessoas, quando perdiam alguém querido. Seguindo a tradição cristã, nas semanas subsequentes ao óbito, em ato de solidariedade, homens e mulheres, enfileiram-se para estar com os parentes, na perspectiva de levar consolo. Tezinha – como era conhecida -, saia-se com a frase “ É assim mesmo, nós somos galinhas de Deus”.

Sua alma simplória, justificava a fala com singular argumento: O mundo é uma imensa casa, contendo colossal quintal, repleto de aves, sendo Deus o proprietário. Na condição de dono, é dEle a faculdade de buscar a hora que quiser, um produto para seu deleite. Convenhamos, é uma bela alegoria! Muito cedo, convivemos com o fenômeno da morte. Experimentamos sua aparição, em familiares, conhecidos, distantes, amigos, desafetos, na cidade, no Estado, no País, no mundo.

Ela se manifesta de diversas formas: nas televisões, ao vivo e a cores; rádios, internet, facebook, vídeos, filmes, cinemas, revistas, WhatsApp, twiter. Acidentes, terremotos, maremotos, vulcões, desastres, naufrágios, chacinas, genocídios, infanticídios, matricídios, parricídios, suicídios coletivos, ou não, etc. movem em seus âmagos mortes, mortes e mortes. Estão no cotidiano.

No livro Eichmann em Jerusalém , publicado em 1963, a filósofa política judia alemã, Hanna Arendt, estabelece a partir do julgamento do nazista Otto Adolf Eichmann, braço direito de Adolph Hitler, o conceito da Banalidade do Mal. Para Arendt, a maldade não se dá por causa da natureza de caráter ou de personalidade, mas sim pela incapacidade de julgar e conhecer as situações, os fatos, as estruturas e o contexto.

Eichmann, talvez seja o principal exemplo do macabro plano do Führer, que resultou no extermínio de milhões de judeus, durante a segunda guerra mundial, episódio sórdido, conhecido como o Holocausto. A Banalidade do Mal, sobressaia-se nos rostos bem escanhoados e alimentados dos oficiais nazistas, que com a mesma calma e sobriedade que frequentavam as igrejas Cristãs, – nunca esqueçamos-, restaurantes, levavam filhos pra escola, a família pra passear; enviavam vagões inteiros, apinhados de indivíduos – semelhantes a eles -, aos campos de concentração, fornos crematórios.

Ressalte-se, que outros povos, raças, categorias sociais, além dos judeus, como ciganos, homossexuais, afrodescendentes, pessoas com defeitos físicos e/ou mentais, também foram vítimas desse trágico, terrível momento. A sociedade, erigida em valores humanistas, carrega a simbologia do amor, misericórdia, perdão, afeto, fraternidade, contradiz-se ao dispensar trilhões de dólares para armamentos, bombas atômicas, instrumentos de morte; ao invés de favorecer o combate a fome, doenças, guerras, que servem para a preservação e a continuação da vida.

A estrutura desoladora posta, nos empurra a um futuro denso, sombrio, indesejável e de inevitável destruição da única casa conhecemos, a , terra. Tal fato, parece não comover os corações empedernidos daqueles que detém o poder. Para minimizar o problema, aprendemos, executamos, extravasamos, o ditado popular, inerente ao assunto levantado: “ a única certeza da vida é a morte”. No turbilhão de óbitos dos últimos anos, a vulgarização, referendada pela pandemia do Covid !9, que presenteou, a cada um de nós, o passamento de alguém próximo, desnudou as vertentes mais vis das inclementes, impiedosas, agruras propiciadas pelo homo sapiens. Não há como deixá-la fora da conjuntura. Suas sequelas têm e terão importância.

Pandemias causam, ao lado das guerras, – algumas em nome de Deus – a imensa maioria de mortes acontecidas. Saudável disputa ocorre entre o sensível, tipificada pelos cinco sentidos, – visão, audição, paladar, olfato e tato-, e metafisica, o que está além destes, mundo do suprassensível. Sócrates não se intimidou, ao ser condenado a morte, pela ingestão de um chá da planta venenosa Cicuta Para alguns estudiosos da mãe de todas as ciências, a morte, foi por assim dizer, anelada. O suicídio é bem frequente, entre seus adeptos.

O Velho Testamento, para o Cristianismo, ou Torah, para o Judaísmo, descreve acerca de três homens que desafiaram a morte, a venceram, e se tornaram símbolos de fé, coragem e devoção. Enoque, Elias e Melquisedeque, derrotaram o temido inimigo, e foram trasladados por Deus, aos céus.

O Novo Testamento mostra Jesus Cristo, o Messias, Emanoel, o Filho de Deus, que enviado a terra, para com seu sangue, tal qual o Cordeiro, na tradição mosaica, servir de libação, salvando todos que nEle cressem , tomando seus pecados, os perdoando, com o sacrifico vicário de sua morte e ressurreição. A convicção em nova vida, está impregnada nos fundamentos da religiosidade. Temos a certeza de que viveremos num céu de belezas inefáveis, indescritíveis, ao lado Criador, o Pai Eterno.

Mamãe, por exemplo, cria piamente que não só desfrutaríamos de uma cidade, a Jerusalém Espiritual, calçada com ruas de ouro; também nos reconheceríamos, pais com filhos, irmãos com irmãos, amigos com amigos, etc. num perene confraternizar .A esperança na vida eterna, torna-se então o alvo, conformação, conforto, refúgio para a dor que a separação da matéria traz.

Tempos atrás, escrevi uma crônica denominada Obituário Matinhense, nela exponho, salvo engano, trezentos e cinquenta nomes de pessoas que faleceram até aquela data, quando estava completando 50 anos de idade e que havia conhecido na jornada percorrida. Neste texto, a vontade era elencar todas e todos que pereceram nas últimas décadas do século XXI. Infelizmente, não será possível, haja vista, o extenso número de mortos, que impossibilita a realização de uma contagem definitiva e completa.

Desse modo, farei alusão a cinco pessoas falecidas proximamente, que foram importantes, queridas, pra mim, minha família e a coletividade. Estarei assim, homenageando amigas, amigos, conterrane@s, ou não, que já não moram mais conosco.

Maria Regina Silva Cutrim, nascida em 08/04/1967, no povoado Aquiri – Matinha; filha de José Bonifácio Azevedo Silva e Maria José Silva; formada em Pedagogia pela UEMA – Universidade Estadual do Maranhão -, com pós-graduação em Psicopedagogia. Atuou na docência por mais de 20 anos. Foi a segunda de quatro irmãos, José Júlio Silva, Maria Virginia Silva Ribeiro e Francilda Régia Silva Pereira; mãe de dois filhos, Hans Myller Silva Cutrim e Rhaysa Myllene Cutrim Rodrigues. Desposada com José de Ribamar Duarte Cutrim. Serviu a obra de Deus como membra na PIB – Primeira Igreja Batista de Matinha-, exercendo cargos de professora da Escola Bíblica Dominical, Ministério de Música e monitora de adolescentes. faleceu em 22 de maio de 2022. Deus a levou três meses antes do nascimento dos netos Júlia e Álvaro.

Maria Regina Silva Cutrim

“ Minha mãe era uma rainha. Não somente pela etimologia do seu nome, mas pela grandeza e importância que ela sempre teve na minha vida e para todos que a conheceram. Seu sorriso marcante luzia como um astro. Seu carisma, inteligência e simplicidade, fazem dela eterna nos nossos corações e memória”. Afirma Hans Myller, seu filho mais velho, e confrade da AMCAL – Academia Matinhense de Ciências, Artes e Letras-.

Maria de Lourdes Gonçalves Ferreira, nascida em 26/12/1959, .no povoado Cutia I – Matinha, filha de Severa Gonçalves. Na certidão de nascimento, não aparecia o nome do pai, José Mendes Tavares, que morreu quando estava com 45 dias de nascida, e devido as dificuldades da época, não fora registrada. Formada em Pedagogia pela UEMA, especialista em Supervisão e Administração Escolar. Ocupou dois cargos públicos, todos por concurso: no Estado e Prefeitura Municipal de Matinha. Sindicalista, iniciou militância no STTR – Sindicato do Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais – de Matinha -. Ao assumir no município, filiou-se ao SINSEPUM- Sindicato dos Servidores Públicos de Matinha-. Ocupou o cargo de Presidenta. Lutadora social nata, petista de carteirinha, Presbiteriana Independente raiz.

Maria de Lourdes Gonçalves Ferreira

Casada com Raimundo José Viana Ferreira; concebeu os rebentos: Gilvan Gonçalves Ferreira – falecido -, Gilmar Gonçalves Ferreira, Vivania Gonçalves Ferreira e Vanuzia Gonçalves Ferreira Costa; mãe do coração de dois sobrinhos que ficaram órfãos, Ana Maria Silva Gonçalves e Webster Silva Gonçalves. Avó de dez netos e bisavó de cinco. Nos deixou em 19 de setembro de 2022.“ Maria de Lourdes, expressão de força, coragem e fé, inspiração para nós filhos e futuras gerações Gonçalves”- Escreve Vanuzia, funcionária pública e sua filha.

Joana Monica Carneiro Ribeiro, nascida em 24/06/1976, na cidade de Dourados, Mato Grosso do Sul; filha de Atilio Rodrigues Ribeiro e Ivone Carneiro Ribeiro. Teve duas irmãs, Tiele Carneiro Ribeiro e Joana Cassia Carneiro Ribeiro; missionária da IPIB – Igreja Presbiteriana Independente do Brasil -, assistiu muitos anos ao PNOR – Presbitério do Norte –, Concluiu o curso de Serviço Social pela Universidade Anhanguera, foi também capelã. Possuía a missão na alma. Exerceu essa vocação na congregação de Caxias e na IPIB do Cohatrac. Amada por todas as irmãs e irmãos, atuava principalmente juntos aos jovens, adolescentes e crianças. Nos deixou em 25 de abril de 2023.

“ Miss, como eu a chamava carinhosamente, foi pra mim, mais que uma amiga, irmã, mãe, missionária. Veio a este mundo nos ensinar a viver a vida de forma mais leve e com mais amor, hoje virou nossa estrela. Foi e sempre será minha pessoa. Te amarei eternamente.” – declara Ana Flávia Chaves Costa Leite, minha filha biológica, e filha amada de Monica. Aliás, como ela gostava de falar “ a mais amada entre as amadas”.

Joana Monica Carneiro Ribeiro

Felicidade Duarte de Farias Silva, nasceu a 15/04/1936, em Pastos Bons- Maranhão. Fruto do enlace matrimonial entre Tomás Duarte de Farias e Maria Raimunda Duarte de Farias, era professora normalista. Por suas mãos passaram cidadãs e cidadãos matinhenses, inclusive eu. Foi funcionária do Estado. Chegou em Matinha no ano de 1951. Casada com Antônio Augusto Alves da Silva. Do matrimonio nasceram as filhas, Tania Maria Duarte Silva e Maria Raimunda Duarte Silva Neta. A pedido do esposo, por não ter nenhum filho do sexo masculino, e por tradição familiar, adotou, educou Pedro Augusto da Silva Araújo. Pedro foi muito amado por ela. Deixou seis netos e netas. Faleceu em 07 de fevereiro de 2023., aos 86 anos.

“ Felicidade Duarte, minha mãe. Professora da rede básica, me ensinou a ler, escrever, interpretar, criticar e a me apaixonar pelo maravilhoso mundo do conhecimento. Este me levou a estar onde estou. Foi a referência na formação do meu caráter”. Afirma Tania Maria, servidora pública e filha.

Francisco Cutrim Ferreira, nascido 12/05/1975, filho de Raimundo Abreu Ferreira e Conceição de Maria Cutrim Ferreira. Era conhecido por Neto do Gás. O nome Neto, não está em sua certidão de nascimento, é em memória do seu avô, Francisco de Castro Cutrim. Teve quatro irmãos, Nadson Cutrim Ferreira, Raquel Cutrim Ferreira, Nilva Cristina Cutrim e Keila Cutrim. Nasceu no povoado Gameleira, a época pertencente ao município de São João Batista, e atualmente, Olinda Nova do Maranhão. Viveu parte de sua infância no povoado Santa Maria dos Furtados. Chegou em Matinha aos sete anos de idade. Gostava muito de esportes, notadamente, o futebol. Desde pequeno mostrava seu talento e habilidade na execução do mais famoso esporte do país. Chegou a jogar no time de São Bento e Boa Vontade de São Luís. Infelizmente, sua promissora trajetória esportiva foi interrompida precocemente, por uma lesão no joelho. Casou-se após oito anos de namoro, com a contadora Simone Serra Mouzinho Ferreira. Homem honesto, responsável e dedicado, Neto obteve a confiança da sociedade matinhense na profissão que escolhera para ganhar o pão de cada dia: a venda de gás.

“ Eu louvo a Deus por ter me proporcionado vinte anos de convivência entre namoro e casamento com meu amado Neto. Ele foi homem que Deus preparou para caminhar comigo, até que que a morte nos separasse. Meu consolo é que ele conheceu e aceitou a Cristo como Senhor e Salvador de sua vida. Com base em João 3,16, creio que um dia nos encontraremos na mansão celestial.” – relata Simone, sua esposa.

Francisco Cutrim Ferreira (Neto do Gás)

Cinco seres humanos especiais. Quatro mulheres e um homem, que fizeram história neste plano e hoje gozam da vida eterna. Deixaram saudades imensas em todos que os conheceram e amaram. Num mundo de quase oito bilhões de habitantes, onde 1% destes detém 50% da riqueza acumulada, nota-se um nível exorbitante de desigualdades, injustiças. Isso por si só, remete aos 99% restantes, crenças legitimas, de que haverá uma outra dimensão, onde seu corpo, alma, espirito, receberão dádivas, bençãos, alegrias, que não puderam ser usufruídas nesta.

Desse modo, Reino dos Céus, Paraiso, Nirvana, Colonias Espirituais, Tian, Sansara, dentre outros nomes, designam um lugar celestial, cósmico, onde os seguidores das religiões irão morar muito bem, após os sofrimentos daqui. Nos cabe crer, confiar, esperar, deixar acontecer, um tempo, um novo momento, do qual não temos nenhum poder. Invocando talvez, um adágio popular baixadeiro: “ Morte, caminho de nós todos.”

João Carlos da Silva Costa Leite, nascido em Matinha, bancário aposentado, cursou Filosofia na UFMA. É membro do FDBM -, Fórum em Defesa da Baixada Maranhense e da AMCAL – Academia Matinhense de Ciências, Artes e Letras, ocupando a cadeira 17, patroneada por Maria José da Silva Costa Leite.

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