Artigo de João Carlos: Histórico de polêmicas, uma questão filosófica…

Ao completar sessenta anos passamos, acredito em função do ócio que se apresenta no  cotidiano de modo mais amiúde, a relembrar, analisar, pesar e interpretar atos, fatos,   acontecidos   ao longo da existência. Parafraseando  a música de Chico Buarque de Holanda, “ Olhos nos olhos”, na estrofe “ me pego cantando sem mais nem porque”, troco o “cantando” por “ pensando”, e me revolvo num turbilhão de reflexões.  

João Carlos Leite

Cada experiencia hodierna, reporta  quase que automaticamente, algum episódio, recorte do passado, que tenha conexão  com o ocorrido. Nos últimos dias, embates havidos, alguns com pessoas por quem admiro, respeito, trouxeram  reminiscências de uma característica  marcante,  um  traço de  personalidade, que me acompanha  desde a infância : o sentimento questionador, querelante, revolucionário, inquiridor, dado a polêmicas. Uma característica inata.  O sentimento de  olhar a coisa por outro ângulo, propondo, procurando, exigindo respostas além do que foi perguntado,  num comportamento   considerado rebelde, malcriado, ou como chamam na Baixada, “saliente “. Tais atitudes causaram-me grandes  dissabores.

Contraditoriamente, angariei   amigos, pessoas que mesmo discordando da forma como falava, pensava, agia, denotaram  em  palavras e ações –  guardo essas manifestações com apreço -, gestos de carinho, afeto,  sólida  amizade, preservadas perenemente. Se a memória não   falha, meu primeiro ato para chocar  deu-se na saída do Jardim de Infância Topo Gigio, quando encasquetei de   retornar  pra casa  só de cueca, colocando a farda  dentro da lancheira. Evidentemente,   levei uma reprimenda, creio que da professora Maria Berredo.  Mamãe e Tchem  foram  comunicadas da ” saliência “. 

Ultrapassada a fase do primário, provavelmente lá pela antiga 7ª serie, deixei uma professora  de História sem respostas, ao perguntar como só com um grito de “ Independência ou Morte “, as margens do riacho Ipiranga, Dom Pedro I, conseguiu libertar o Brasil do jugo português, se tivemos Tiradentes morto e vários movimentos armados sendo sufocados  antes ? De outra feita,  instei uma  educadora a  dá significado ao termo “ capitular”, do jeito que havia lido num dicionário, no sentido de entregar-se, render-se. Ela coitada, passou muitos dias sendo cobrada,  sem conseguir  achar  o verbete que me agradaria. 

Este histórico ávido por controvérsias, sempre esteve presente em  mim. Talvez se origine no  natural sentimento    dos jovens  serem contrários a tudo, ou ainda pela influência de informações  em revistas, livros, programas de rádio,   televisão, que  sempre gostei de acompanhar. Há também a possibilidade de ter sido picado pelo  mosquito da filosofia     desde tenra idade,  que  fez aflorar  um  espirito de rebeldia, beligerância, a me acometer. O certo é que  adorava – ou adoro -, uma disputa. No tempo do Ginásio  Bandeirante,  quando fazíamos algum trabalho em equipe e  me posicionava com questionamentos, os colegas falavam: “ lá vem o do contra” 

Com a passar do tempo, aquilo que já era natural, foi se fortalecendo  através do empirismo, agregando conceitos e valores que ideologicamente se uniram a uma  concepção  humanista e de fundamento esquerdista. Obviamente, que essa visão travou intenso  combate interno, mental,  com a forma até então apreendida, pelo ensino desenvolvido no seio familiar e religioso. Cursar Filosofia, não obstante a postura de evitar   debate nas salas de aula  e eventos  paralelos, alargou, aprofundou    temáticas  até então vistas   de modo superficial, bem  como o aprendizado de métodos, categorias, conceitos  só possíveis num  curso com a carga de professores do naipe dos que temos na UFMA.

Em suma, todo aquele espirito querelante, que  possuía,  passara incólume, preservado durante cinquenta anos, travando  lides na igreja, partido, sindicados, banco,  estremeceu relacionamentos, mas ao mesmo tempo fortaleceu  sólidas e perenes amizades. Fui agraciado  por Deus em  viver num tempo histórico, eivado de movimentos sociais, políticos, que  favoreceram, fizeram florescer e  cevaram  esta índole ao digladio. Uma porcentagem de pendor hereditário, coube ainda a mamãe. Maria de Lola possuía o dom de  elaborar   questionamentos e tiradas que deixavam os  interlocutores aperreados, em “ camisa de onze varas”, como se diz na Baixada. São famosas suas perguntas a pastores recém-chegados a Matinha sobre temas difíceis da Bíblia Sagrada. 

Importante esclarecer, que esses arroubos sempre foram no campo da retórica,  em momento algum  descambaram para a violência,  sou por natureza avesso   a esta. De modo que minhas querelas ficavam circunscritas ao aspecto do debate – normalmente acalorado – intelectual, não havendo agressões físicas. Meus pais me ensinaram  desde cedo  que violência não leva a nada. A propósito,  lá em casa nós  nunca aprendemos a manusear  armas,  era terminantemente proibido, fossem de fogo ou brancas. Meus amigos mais chegados, a quem considero irmãos, mesmo não tendo o mesmo sangue, são bem poucos, talvez não cheguem a dez, todos discutem, debatem, querelam, muitas vezes,  veementemente  comigo. 

Ou seja, essa particularidade  não é voltada  aos “ não amigos” –  creio não ter  inimigos -, está amalgamada, é parte de mim, convive no  corpo, transita nos cinco sentidos, extravasa a mente,  se apresenta  na  alma, no espirito. Sem o fundamento da refrega, este ente não existiria, seria mera ficção da realidade em que convivo, um zumbi, sem vontade ou padrão definido,  expectativa de vida, futuro, porvir. Optar por um  viver dialético, proporcionou o envolvimento, bem antes do entendimento filosófico dessa palavra, em dimensões  as mais diversas possíveis no tecido social, na cidadania,  possibilitando  batalhas, vitórias,  das quais tenho orgulho. 

Muitas foram as ações que pratiquei, ajudei, assessorei,   pessoas a mover, num efeito didático, pedagógico,  visando o ressarcimento até em  âmbito  financeiro por erros cometidos na obtenção de produtos/mercadorias,  atos impróprios adotados em instituições, sejam elas públicas ou privadas. Sopesando, creio ter conseguido, no “frigir dos ovos”, ao fim e ao cabo, mais bônus que ônus.  

Concluo então, ter valido a pena  meu histórico de polêmicas. Hoje, não exerço  essa atividade com a gana de  antes. As redes sociais capilarizaram instancias    de violência,  linchamento virtuais,  muito além da mera discussão de ideias, e isso traz medo,  paralisa  e faz refletir, sobre eventuais, desastrosos, desdobramentos.   

João Carlos da Silva Costa Leite, nascido em Matinha, bancário aposentado , estudante do curso de Filosofia da UFMA. Membro fundador da AMCAL , Academia Matinhense de Ciências , Artes e Letras onde ocupa a cadeira 17.

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