Artigo de João Carlos: Padre Guido, um homem digno de palmas…

Estávamos na segunda metade da década de 60. O mundo vivia um turbilhão de mudanças: a guerra fria entre os Estados Unidos da América, e URSS – União das Republicas Socialistas Soviéticas-, além do conflito bélico no Vietnam, mostrava uma nova face, o controle do espaço; na China, Mao Tse Tung, instituía a Revolução Cultural; Beatles e Rolling Stones, estavam no seu auge; o modo hippie de viver era a grande discussão na sociedade, vivíamos a época dos grandes movimentos libertários.

João Carlos e o padre Guido

No Brasil, os anos de chumbo, instaurados com a deposição de João Goulart, e iniciando a sequência de generais na presidência, traziam o terror para estudantes, artistas/intelectuais, políticos de esquerda e trabalhadores. Foram proibidas as eleições diretas para presidente, governadores e prefeitos das capitais. O lema da nação era, “Brasil, ame-o ou deixe-o”.  No Maranhão, começava o governo de um jovem intelectual, chamado José Sarney, que vencera a eleição, se dizendo a novidade, contra as velhas oligarquias, representadas por Vitorino Freire.

Em Matinha, o novo também apareceria, após duas derrotas para o grupo adversário, Os Silva Costa, ascende a prefeitura da cidade, que fora emancipada em 1948, representando a oposição, o dr. Francisco das Chagas Araújo.
Nesse cenário, chega a terra das mangas, cidade ainda moçoila, um jovem padre italiano, homem moldado e enviado por Deus, para pastorear a paróquia de São Sebastião, filiada à diocese de Viana, o pe. Guido Palmas. Nascido na cidade de Segariu, região da Sardenha – Itália, o nosso querido pároco tomou posse, no ano de 1967, ficando até 1973, quando por motivos pessoais teve que voltar a sua terra natal, deixando para o povo matinhense muita saudade, carinho, respeito e admiração.

Mesclando oração e ação, pe. Guido protagonizou episódios e atos que foram e continuam sendo essenciais, em diversos aspectos, como por exemplo, educação, trabalho, moradia, transportes, etc., não só para Matinha hodierna, mas com reflexos em toda a Baixada Maranhense. Possuidor de invulgar conhecimento do processo civilizatório, este humanista, tornou – se padre em julho de 1954; foi vigário das paróquias San Jorge Martir, em Quartucciu, Sardenha, de 1954 a 1959; de S. Elia em Cagliari, de 1959 a 1963, e ainda, de Santa Barbara, em Sinnai de 1963 a 1967. Chega ao Brasil, em 1967, numa remota cidadezinha, do interior do Maranhão, um estado paupérrimo do nordeste, onde a carência grassava em todos os fundamentos, exatamente para cumprir com a missão que lhe fora ordenada pela igreja, “Fidei Donum”, para missões em continentes mais pobres.

Buscou, logo após sua posse, juntar na forma da cruz de Cristo, a verticalidade do amor ágape, a Deus; com a horizontalidade do amor philia, aos seres humanos; independentemente do seu credo. E pôs as mãos no arado. A história perpetua então, registrados pelo livro Paróquia de São Sebastião em Matinha: “50 e mais anos da história da nossa fé”, muitas das ações desse missionário europeu em terras do Maranhão, que eu tentarei resumir, mas que sei, tenho certeza, não conseguirei, pois foram superabundantes as atividades, os serviços, as peripécias, protagonizadas por este homem, o italiano pe. Guido Palmas, (perdoem a redundância), digno de ser homenageado com palmas, milhares de palmas.

Seu batismo nas tarefas pastorais (segundo relato das professoras Maria Vitoria França Nunes, Maria do Socorro Neves Silva, Marly Silva Neves e Euzébia Silva Costa), deu-se com os festejos de São Raimundo Nonato; a partir desse ato desdobrou-se dia a dia, numa memorável e profícua campanha em prol da terra e região que fora escolhida para trabalhar. Criação, com apoio do prefeito de Matinha, do Jardim de Infância São Sebastião; visitas as comunidades de Sacaitaua, São Rufo e João Luís; reforma e ampliação da igreja matriz; escolha para diretor do ginásio Bandeirantes, criado pelo governo estadual, até então um sonho para os matinhenses, que desejavam continuar seus estudos do ginasial, sem sair cidade.

Primeiro encontro de catequistas dos povoados Coroatá, Itans, Boa Fé, São Felipe, Aquiri e Piriaí; realização da procissão de Corpus Cristi; instalação com a ajuda de sua irmã Bruna, da disciplina Técnicas Agrícolas, objetivando que cada aluno do recém criado Ginásio, confeccionasse uma horta caseira; além da instalação de um laboratório na referida escola.  Eu ainda lembro, embora pequeno, mas já curioso, o meu olhar espantado, ante as novidades das provetas e utensílios do laboratório, bem como a visão de legumes alienígenas até então pra mim, e toda a Matinha, como berinjelas e pepinos de metro, introduzidos e cultivados nas referidas hortas. Os fatos elencados, só reafirmam, corroboram, a visão progressista, social e vinculada aos menos favorecidos, que este italiano, proveniente de um mundo diferente, com parâmetros de desenvolvimento bem acima do que agora tomava contato, operacionalizou para o cumprimento da sua honrosa missão.

Campanha para a criação da escola “João de Barro”, projeto do governo estadual, em Matinha; efetivação de um internato para que jovens de baixa renda, oriundos dos povoados, pudessem estudar em escolas da sede; organização de cursos através da paróquia, visando que rapazes e moças entrassem no mercado de trabalho; construção da casa chamada Fraternidade, para que catequistas pudessem ter uma melhor formação; incentivo à construção de cemitérios nos povoados, permitindo que entes queridos pudessem ser sepultados mais próximo dos familiares. De todos estes atos, outros três eu considero como fundamentais para a realidade do nosso povo, de notável e duradoura repercussão para o futuro, colocando o pe. Guido na categoria não só de um fervoroso homem de Deus, como também de um visionário, uma pessoa de percepção além do seu tempo.

Sua articulação em conjunto com dom Hélio, na construção da estrada Viana- Arari, um embrião do que hoje denominamos MA 014; o estimulo a edificação de casas para famílias de baixa ou nenhuma renda, efetuando convênios com entidades italianas, proporcionando a estes, habitações dignas; e por último a ajuda na criação do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Matinha, uma entidade que serviu e ainda hoje auxilia a defesa dos trabalhadores rurais na sua luta por melhores condições de vida. Este é apenas um pequeno resumo da belíssima e enobrecedora história deste digno pastor, sua trajetória entre nós, e o quanto fez pela cidade e povo de Matinha.
Queremos portanto, desejar vida longa ao Padre Guido Palmas, confrade com muito orgulho na Academia Matinhense de Ciências, Artes e Letras (AMCAL), onde ocupa a cadeira de número 20, patroneada por Raimunda Ferreira Silva.

Que a sua vida e obras sejam pra sempre amadas e valorizadas, e as bênçãos de Deus se derramem sobre ele e seu profícuo ministério. Palmas, intensas e copiosas palmas, ao pe. Guido Palmas.

João Carlos da Silva Costa Leite é cronista e escritor, natural de Matinha – MA. Bancário aposentado, casado, presbítero em disponibilidade da Igreja Presbiteriana Independente do Brasil (IPIB). Membro do Fórum em Defesa da Baixada Maranhense (FDBM). Membro fundador da Academia Matinhense de Ciências, Artes e Letras (AMCAL), ocupando a cadeira de número 17, cuja patronesse é sua mãe, Maria Jose da Silva Costa Leite. Graduando em Filosofia pela Universidade Federal do Maranhão (UFMA).

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