Em artigo, João Carlos fala sobre a história de sua mãe, a matinhense Maria de Lola

Tempos ditosos – Uma pequena história de Maria de Lola

João Carlos da Silva Costa Leite

A presença de mamãe convive comigo. Não passa um dia sem que rememore algum fato, acontecimento no qual ela seja personagem, protagonista. Ultimamente, tenho relembrado uma canção, na verdade, estrofe, de uma música, que entoava, notadamente quando o assunto tratava dos bons momentos que vivenciara na infância, ou em conversas, das muitas que mantinha conosco sobre coisas antigas.

Maria de Lola

Era assim: “ Naqueles tempos ditosos, em que eu andar não sabia, doces braços carinhosos, me embalavam noite e dia”. Apenas esse trecho. Consultei no google qual cantor/ cantora de anos passados havia gravado alguma coisa igual/ parecida. Não encontrei. A pesquisa remeteu-me a Casimiro de Abreu, bardo romântico, nascido no Rio de Janeiro em 1839. Esse poeta, ficou conhecido pelo poema, “ Meus oito anos”, que recitava e que também só lembro uma parte, o início: Oh que saudades eu tenho da aurora da vida, da minha infância querida que os anos não trazem mais”.

Casimiro de Abreu, teve uma vida trágica, curta e bela. Ao lado de Alvares de Azevedo, Junqueira Freire e Castro Alves, faleceu antes de completar 25 anos, na flor da idade e carreira. Acostumei-me a ouvir o canto e a declamação da estrofe única do poema, várias vezes entoados num modo quase taquilálico do qual se expressava, em especial, nos momentos que remetiam a alguma ação ou peraltice praticada por crianças, seres que amava profundamente. Em princípio não entendia o conceito “ ditosos”, anos depois, numa fase de esgudo em dicionários, encontrei a definição: significa afortunados, abençoados, felizes…

Uma análise mais amiúde desses eventos, mostrará uma das características mais marcantes da personalidade dessa mulher, a última das três representantes do sexo feminino, em um grupo de sete irmãos, de uma família patriarcal, protestante, branca, rica de tradição e história, pobre de finanças. Que em função da esdruxula estrutura vigente na sociedade dos anos trinta do século passado, já trazia definido o destino para as mulheres da família – seria dona de casa, uma vez a irmã mais velha se formaria costureira, e a outra, enfermeira- seu desmedido amor por crianças.

Fazia tudo que estava ao seu alcance para agradar e atrair esse nicho da sociedade, geralmente posto de lado por nós adultos. Mencionava sempre o texto bíblico, onde Jesus repreendia seus discípulos: Mateus 19, 14 “ Deixai vir a mim as crianças e não as impeçam; pois o Reino dos céus pertence aos que são semelhantes a elas”. Durante anos, talvez décadas, levou merenda, lanche, por ela mesma confeccionado, que junto com as bolachinhas de Lauro, distribuía para classe de infantis da Escola Dominical na IPIB, Igreja Presbiteriana Independente do Brasil, em Matinha.

Gerações de meninos e meninas pobres da cidade, cresceram participando dos almoços que ela patrocinava no dia 25 de dezembro – não era nem antes, nem depois – comemorando o nascimento do menino Jesus, no quintal da casa de vovó Lola. Emocionava o desvelo com que tratava as crianças. Nunca bateu em mim. Ficava uma onça quando via um pai ou uma mãe maltratando filho. Inúmeras vezes a ouvi, “ se bater em filho ajeitasse, fulano, sicrano, seriam uns anjos”, falava, na autoridade de conhecer profundamente todos na cidade.

Sem se mostrar intimidada, complementava a frase, na frente do próprio espancador, que ouvia calado a verdade, “…tu mesmo seria um desses”. Sua prodigiosa mente, capaz de guardar fatos, datas de nascimento de amigos e parentes, possibilitava lembrar e comemorar o aniversário dos netos. Os meus filhos eram agraciados sempre com bolinho de tapioca, que ela carinhosamente fazia e trazia de manhã bem cedo, cantar parabéns e fazer uma oração de ação de graças pela vida do aniversariante.

A dimensão do amor pelos netos, refletia-se na maneira carinhosa com que os epitetava: Ruizinho, Cacá, Rubinha, Cesinha; Gutinho, Juninho, Dudu; Sandrinha, Jaque, Nanan; Guigui, Flavinha, Guguinha. Hoje, 11 anos passados de sua morte, constato com nostalgia, que a assiduidade em cantar e declamar versos de Casimiro de Abreu, representavam inconscientemente, o profundo e intenso amor nutrido por aquelas que segundo a Palavra Santa, pertence o Reino dos Céus.

O sentimento que me toma é de gratidão a Deus, que desde a “aurora da minha vida”, “ que eu andar não sabia” permitiu aos “ doces braços carinhosos” de Maria de Lola “ noite e dia “, embalassem a mim e dezenas de meninas e meninos da Terra da Manga. “ Oh que saudades eu tenho”, daqueles “tempos ditosos”, “ que os anos não trazem mais”.

João Carlos da Silva Costa Leite, nascido em Matinha, bancário aposentado, cursou Filosofia na UFMA. É membro do FDBM -, Fórum em Defesa da Baixada Maranhense e da AMCAL – Academia Matinhense de Ciências, Artes e Letras, ocupando a cadeira 17, patroneada por Maria José da Silva Costa Leite.

Uma resposta para “Em artigo, João Carlos fala sobre a história de sua mãe, a matinhense Maria de Lola”

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *