Artigo de João Carlos: Síndrome de vira-latas, um mal que nos assombra…

Desde 1500, quando  aqui aportaram  portugueses, capitaneados por Pedro Alvares Cabral, caracterizando aquilo que a história oficial intitulou  de descobrimento, que esta nação quase continente, está  a reboque dos modismos oriundos de além-mar. O Brasil  nunca auferiu  características próprias. Somos um povo que vive a mercê  dos ditames colonizadores e imperialistas. Primeiro dos portugueses. Após 1808, quando da chegada até   aqui da família real, fugindo de Napoleão Bonaparte,  e com a abertura dos portos, aos ingleses. 

Texto é de autoria de João Carlos, de Matinha

Na segunda metade do século XIX, tornamo-nos  vassalos da  matriz francesa . Era muito chique, sofisticado, para as elites tupiniquins, reproduzir palavras, frases, substituir nomenclaturas lusófonas, do mesmo modo que fizera antes  com os inglês da Inglaterra, por galicismo. Após o início do século XX,     o poderio gaulês perdeu vigor, passando  o  protagonismo para uma nova  cultura, que perduraria sua   influência até os dias de hoje, a  ianques, dos  Estados Unidos da América . .  

A submissão  social, econômica, intelectual,  cultural, filosófica, cientifica, etc…começa desde o descobrimento. O Brasil em que pese sua extensão quase continental, alcançou muito tardiamente espaços necessários para o crescimento  civilizatório. Universidades, indústrias, libertação  da escravidão negra, república, medicina, direitos humanos, avanços em todas as áreas,  só aqui desembarcaram depois de já terem ocorrido na maioria das nações do novo mundo . Assim mesmo, a história nos ensina, nem sempre de modo verdadeiro,  espontâneo, merecido,  e sim para convergir ou corroborar com interesses de quem  sempre nos governou, a elite branca, rica, cristã. 

O escritor, jornalista e dramaturgo, Nelson Rodrigues, cunhou uma frase, um conceito,  que ficou famosa ao representar  esse  fenômeno que torna   submisso o povo brasileiro:” complexo ou síndrome  de vira lata”, a expressão condensou-se, ao nosso perfil, o “ jeitinho brasileiro”, transformou-se, condensou-se,  simplesmente em viralatismo.   

Destarte, devido a genialidade de  Nelson Rodrigues, pudemos verbalizar um sentimento,   que já perpassou, penetrou  e está arraigado sociológica, antropológica e  filosoficamente   neste país. O viralatismo  é amplo,  versátil, insano, compulsivo. Fomos ensinados, treinados,  a renegar, repudiar, menosprezar, tudo  que tem origem nacional, em concomitância    endeusamos, celebramos, o que vem do exterior, confirmando o que João Ubaldo Ribeiro, Sergio Buarque de Holanda e Florestan Fernandes, ícones da sociologia, escreveram. 

 O Brasil não é uma pátria  de fato e de direito, somos um aglomerado de pessoas sem rumo, temos um passado nebuloso,  movido por fatores externos  que influenciam o   presente. Consequentemente, não nos permitindo autonomia no  futuro. Com o advento da internet, e o acirramento da globalização,  vivemos um ambiente de quase exaustão. Verbetes estrangeiros invadem, pululam  em  nosso léxico. 

São inúmeras as exibições  do viralatismo tupiniquim, expressam-se das mais diversas formas, em todas as faixas, temáticas, falas,  produtos, atitudes    do nosso tecido social. Alguns de tão arraigados,  são  transmitidos  por gerações, sendo até  mesmo aportuguesados. Fazem parte do linguajar  cotidiano. Um exemplo clássico é  futebol, originalmente uma palavra inglesa chamada  football. Esporte que chegou ao país em 1894  através  mãos de Charles Miller, logo virando  atração nacional. 

Curiosamente, o football, metamorfoseado   no  brasileiríssimo nome futebol, é o único produto que inverteu o processo do viralatismo, transformando  além da designação  do esporte, todo o anglicanismo  a ele relacionado,  em palavras verdadeiramente destas plagas.   Vocábulos anteriormente usados, foram gradativa e  definitivamente  substituídos,  goal kiper, virou goleiro; right – back e left – back , laterais direitos e esquerdos; fulback, zagueiro; centre Half, médio volante; centre forward, centroavante; corner, escanteio; ofside, impedimento; etc… 

Atualmente  a linguagem futebolística, o jargão, como falam os estudiosos, está repleto de frases e termos  do mais puro português brasileiro. É muito difícil se encontrar um que fuja a regra. Já nas outras áreas, fervilham  locuções  alienígenas.  Informática  e economia possuem um arsenal imenso, para os  leigos é o mesmo que um dialeto novo, diferente. 

É uma trajetória de completa submissão , sem nenhuma perspectiva de mudança.   Incorporamos  plácida e obrigatoriamente  as locuções, proposições, nas conversações e tarefas do dia a dia, quase automaticamente. Bombardeados pelas propagandas nas rádios,   TV, internet, painéis de rua (autdoor). Alguns vernáculos  soam de forma tão natural, que  nem percebemos: pizza, talvez seja um dos mais antigos. De origem italiana, nunca traduzimos para o português  esse pão de trigo arredondado, assado no forno, contendo queijo, presunto, tomate, dentre outros temperos. 

A lista é grande,  já saem dos lábios e dos pensamentos de modo inconteste,  sabemos a definição,  aprioristicamente: impeachment; abajour; blecaute, apagão; dial,; refil; shonping center, pet shop, coffe break, e-mail, self service, delivere, look, baby doll, barman, bouquet, hobby, sutian, kit, online, live, uber, mega, monark, smoking, sony, feed back, of, on, show, feeling, diet, ligth, fashion, playlist, etc… são só alguns casos. 

 Chama  atenção também   as situações dos  nomes próprios. Não citarei exemplos, para não ficar de mal com  gente próxima a mim, até  mesmo parentes. Mas todos conhecemos um número grandioso de famílias   com prenomes  sem nenhum  resquício de brasilidade na pronúncia e na grafia. Citaria ainda   o caso de alguns produtos, notadamente na área de agroindústrias ou de abate de aves, suínos e bovinos. Em que  peças, pedaços de seus  corpos, perdem  o nome nativo, incorporando uma nomenclatura nova, nas prateleiras, aliás, gondolas,  dos supermercados, ou hipermercados, estabelecidos nos shopping centers, pra usar uma linguagem bem viralatista. 

 Não sentimos vergonha em comer o velho toucinho de porco defumado, se ele for chamado de bacon; frangos, galinhas, denominam-se chiken,  ou  chesteres.  Até o velho e saboroso  camapu, tão conhecido na nossa infância, que  nascia facilmente  em qualquer monturo ou roçado no interior, ostenta a sofisticada  designação  de physalis, uma referência ao  seu nome científico. Physalis angulata.  

Seguimos assim, um povo pujante, com capacidade  de desenvolvimento e de  tornar-se  exemplo ao mundo.  Resultado de  inúmeras etnias, somos   alegres, receptivos, vibrantes, inteligentes. Carregamos, no entanto, desde a nossa  gênesis, esse complexo de vira latas. Um mal que  manieta, amarra, tolhe, nosso conceito de nação. 

João Carlos da Silva Costa Leite, nascido em Matinha, bancário aposentado , estudante do curso de Filosofia da UFMA. Membro fundador da AMCAL , Academia Matinhense de Ciências , Artes e Letras onde ocupa a cadeira 17.

Uma resposta para “Artigo de João Carlos: Síndrome de vira-latas, um mal que nos assombra…”

  1. Essa tragédia produziu a “elite” do atraso que pulula por aquia até os dias atuais…O Brassil só fichará livre desse viralatismo quando as massas cumprirem a missão histórica da própria libertação…..

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