Artigo de João Carlos: Formas de pescarias na Baixada Maranhense, heranças históricas de um povo…

Resultado da miscigenação dos três povos que constituíram a nação brasileira: o branco (português, algumas pinceladas de árabes, os carcamanos); o negro (trazido a força do continente africano como escravo); e o indígena (nativo), o baixadeiro tem no seu DNA, na sua origem, elementos desses segmentos étnicos em atitudes sociológicas, políticas, filosóficas, etc…

Pescaria de choque na Baixada Maranhense / Foto: Geraldo Kovinski

Dessa forma, quando assistimos o jeito singular de um conterrâneo nosso quando fala, comercia, executa atos artísticos/culturais, vemos ali representado pelo menos 400 anos de sincretismo histórico. Poderíamos citar inúmeras manifestações populares que comprovam essa assertiva, no entanto, falaremos apenas de uma, que traz no seu bojo, as linhagens bem representadas e delineadas: o bumba meu boi, especialmente o de matraca, tão comum a nós.

As índias e o cazumba, espelham o componente autóctone; o amor desmedido de pai Francisco por Catirina, sua obsessão em presentear a amada com a língua bovina, mostram os portugueses; e a batida rítmica das matracas, tambores, refletem o povo que aqui chegou como escravo, os africanos.

A mãe natureza contemplou este torrão – refiro-me aos 21 municípios da Baixada Maranhense, bem como os 13 do Litoral Ocidental -, de vasta e bela rede fluvial, lacustre, marítima, sem paralelo no Estado, transformando-o num verdadeiro manancial, onde a água e a piscosidade acontecem com magnifica intensidade. Além disso, lagoas, campos inundáveis, rios temporários, perenes, igarapés, charcos, riachos, pântanos, poções etc. unem, desembocam, interligam, conectam-se, durante o período invernoso (de janeiro a julho), convertendo uma imensa faixa da região em estrada liquida.

Desse ambiente resultam extraordinária variedade de peixes, crustáceos, mariscos. Para ter acesso a estes, prendê-los, transformá-los em apetitosos pratos, matar a fome, o morador usa de uma infinidade de ardis, que por si só traduzem a inteligência, astucia, perspicácia, sagacidade, desse povo abençoado por Deus.

Resgatarei a seguir essas ferramentas de aprisionamento.

PESCARIA DE FLECHA

Não cheguei a ver, mas tive informações que foi muito utilizada nos lagos Aquiri, Itans, Museu, capturando curimatás, pescadas, pirapemas (camurupins), aracus, surubins, enormes traíras. Praticada durante anos, hoje não é mais exercida. Usava-se uma flecha (planta nativa, com pequena parecença da cana de açúcar), de composição muito leve. Na ponta um arpão, enrolado por um arame fino. Podia ser jogada pela força do braço, ou empregando um arco de jeniparana.

PESCARIA DE ANZOL

São várias as maneiras de alcançar peixes com anzol: Bagrinhos. Chamados de capadinhos em Arari, e anojados em outras cidades. Sua colheita é feita durante o inverno, nas áreas de campos inundáveis, quando as muitas águas invadem os territórios apinhados de pés de araribas, criviris, aningais, marajazais, algodoais, (algodão do campo). É efetuada a noite, em canoas. Com caniço pequeno e linha curta, sem estrovo ou chumbada. O chamariz é o bicho de tucum ou de coco babaçu, essas larvas de um tipo de besouro, da família dos bruquídeos, também são intituladas gongo.

Começa no lusco fusco do dia, quando já vai anoitecendo, a escuridão tomando conta do ambiente, pois se ainda houver claridade, as sardinhas, piabas e piranguiras não deixam o cevo em paz. A canoa com no máximo três pessoas (o ideal são duas, um na popa, outro na proa), embrenha-se sob crivirizeiros, araribeiras, marajazais, ou mesmo no limpo, entre o algodoal do campo, folhas de gapeua, pés de junco, capim, mururu. Levada por alguém que a dirige da popa, com remos ou varas,(dependendo da fundura), sendo orientado pelo canoeiro que segue na proa, o proeiro.

Confecciona-se pesqueiros, e as eventuais presas são chamadas com a tradicional batida na água, complementada com o esmagamento de dois ou três bichos de tucum, de preferência já bem vinhosos. Quando por sorte consegue-se achar bons cardumes, é possível em pouco tempo arranjar-se bastante deles, chegando a encher a embarcação.

Outro modo de pescaria de anzol onde os bagrinhos aparecem, ocorre nos igarapés ou rios. A isca é a mesma, o horário idem (noturno), a diferença é que nessa esfera, não são hegemônicos, mesclam-se aos deliciosos jandiás, eventualmente piabas, piaus, mandis nobres, mandis rabo mole, os mandis lisos, (popularmente conhecidos por faz cagar, em função da descomunal dor causada pela furada de seus esporões), caranguejos de água doce, traíras, jejus. Raramente sarapós e muçuns, que não são bem vindos, haja vista, sua propensão ao roubo dos engodos.

Apronta-se com antecedência um local à margem do igarapé, tendo a cautela de preparar mais um ou dois sobressalentes, pro caso do primeiro escolhido, não consegui suprir a demanda. Os caniços (geralmente de amejuba ou tauari), são compridos e a linha para o anzol bem mais extensa que a da pescaria no campo. Nesse item encontramos ainda a pescaria de jirau. Dar-se quando as enchentes invadem áreas próximas aos igarapés ou rios, não deixando beirada para se sentar. Fabrica-se então o jirau.

Enterra-se no mato inundado, quatro estacas de boa grossura, fixadas numa distância de mais um menos um metro e meio. Depois são postas as travessas, com varas mais finas, produzindo o estrado. Neste são colocadas folhas de palmeira, rachadas ao meio, ou de cauaçu da folha grossa. Ocasionalmente uma cobertura para livrar das chuvas. Alguns mais perfeccionistas, põem dois andares, ou degraus, para uma melhor subida/ descida do recinto.

Essas maneiras de pescar de anzol acima elencados, são implementados a noite, sem lua e chuva. A presença desses fatores afastam os peixes. Nesse aspecto então, quem os executa de modo constante, precisa indispensavelmente monitorar as duas atividades. Destarte, não sair de casa quando o tempo está carregado, pressagiando toró, fazer o ato até a saída da lua, nas horas iniciais da noite, ou quando esta iluminar fortemente, deixar para praticar durante a madrugada, como dizia papai, “depois que a lua se esconder,” torna-se um imperativo.

Piabas. A apreensão destas é desenvolvida nos campos e igarapés, sempre durante o dia. Os caniços são mais flexíveis, linhas e anzóis confeccionados de agulha usada para coser roupas, entortadas no fogo brando de uma lamparina, para definir o contorno ideal. A ceva pode ser pedaços minúsculos de carne, bichos de tucum partidos ao meio, minhocas, (pescaria nos igarapés). No campo, obrigatoriamente bolinhas de farinha d’agua ou miolo de pão. As vezes junto com as piabas, parecem piranhas pequenas(piranguiras). Lógico que no campo utiliza-se canoas; nos riachos, igarapés, aboleta -se nas beiradas

Piabas de litro – É uma das formas mais lúdicas e aprazíveis de agarrar esse gostoso peixinho. Recorre-se a um litro, onde se retira o fundo, total ou parcialmente. Coloca-se um tampo, com um orifício onde estas possam entrar, e enterra-se a outra parte, normalmente pondo como isca farinha seca ou bicho de tucum. Após algum tempo, vem-se mirar.

Acará preta – Conhecida como carambanja, em Arari e Vitória do Mearim, pescar acará preta com anzol, dá-se na extremidade dos poções ou tesos, por entre os mururus ou algodão do campo. Desempenhada com um caniço bem comprido, mais de dois metros, linha de boa dimensão. Usa-se minhocas coletadas cavoucando as bordas dos locais úmidos. É executada a pé, necessitando o pescador (ou pescadora, muitas mulheres praticam ), entrar na água. Apanham-se também traíras e jejus.

Citaria ainda a pescaria de piranhas, modalidade bem perigosa, não recomendada a amadores. Consiste em instalar-se estrategicamente em local isolado, dentro de uma canoa, num silencio absoluto. Munido de caniços compridos, geralmente de bambu, anzol com um estrovo reforçado, um arame entre este e a linha, para evitar o corte pelos afiados dentes desse animal voraz. São pegas piranhas grandes, de vez em quando uma traíra, um jeju, todos de bom tamanho. As iscas são pedaços de carne e vísceras de boi ou porco.

Jandiás – Aplicada nos igarapés e rios temporários, durante o dia. As iscas são minhocas ou bichos de tucum. Sai-se a caminhar pela beira a procura dos peixes, podem ser encontrados ainda traíras, acarás pretas, jejus, piaus, piabas, muçuns e sarapós, esporadicamente, um bagrinho ou outro, perdido durante o dia. Ocorre ainda método análogo, que chamaríamos de água toldada ou “tordada”, no linguajar mais simples. Compreende em mexer na terra por onde passa o igarapé, riacho, na porção de cima, tornando-a turva (ou suja), correndo rapidamente na direção baixa da corrente, e lançando o anzol já previamente pronto para enquanto durar a toldação, pegar o maior número possível de peixes, normalmente jandiazinhos. Podendo ainda atingir bagrinhos, traíras, jejus, atordoados pela turves da água . Essa operação será refeita mais vezes e em outras partes, após a limpidez retornar.

Linha – Um carretel de fibra de nylon com anzol chumbado é jogado das margens do rio Mearim, em Arari e Vitoria; Pindaré em Monção, Cajari. No lago Aquiri na parte relativa a Viana, (não é uma prática em Matinha), próximo ao Poção do Engenho. Também vi pessoas pescando dessa forma às margens do Pericumã em Pinheiro; e Turiaçu, Santa Helena. Na ponta do anzol, camarão de água doce, carne ou outro peixe pequeno. Levada pela correnteza, a isca pode trazer no seu engate surubins, mandis, bagres do rio, (não confundir com bagrinho), que é uma espécie de uritinga da água doce, mandubés pembas ou mandubés sapos, lirios, carraus (corrós), boi acaris, (bodós).

Corda – Bastante empregada no rio Mearim. Expressa-se na concepção de uma corda trançada e grossa, dessas usadas por barcos ou navios( Arari possui muitos trabalhadores marítimos), que será esticada da margem do rio para dentro deste. Nesta de 80 em 80 centímetros, é amarrado um cordel de linhas mais finas com um metro de comprimento e um anzol grande. Na outra ponta da corda grossa (a de dentro do rio), ficará uma poita, (ancora) bem pesada para segurá-la contra a correnteza, outras poitas mais leves e menores serão fixadas na corda principal, para mantê-la abaixo da superfície, mas sem afundar muito. A ponta da margem será atada a um galho de ingá ou aninga grossa, em não havendo, enfia-se um mará ou vara profundamente no solo fofo, e amarra-se a ponta neste.

As iscas são geralmente piabas, pacus, camurins(dorme na sala), cascudos, e ainda vísceras de boi. Podem ser capturados surubins, bagres do rio, camurins,(robalos), pescadas do rio, mandubés (pembas e sapos),pirapemas, dentre outros.

PESCARIA DE CHOQUE.

 

Choque ou socó, é uma armadilha montada com talos retirados da madeira marajá, uma palmeira espinhosa que existe nos pântanos baixadeiros, ou em menor escala com varinhas normalmente de papa terra, uma espécie de árvore, também com espinhos, só que mais volumosos, em que mesmo o mais fino ramo é bastante duro e resistente. Está atualmente quase extinta.

Assim como o anzol, existem várias maneiras de pescar de socó: Camboa no limpo – Efetivada em área onde inexiste mato, mururus, etc.. chamado de limpo, geralmente por mais ou menos vinte pescadores, que saindo um para a direita outro para a esquerda, combinam em formar um círculo, a camboa. O circuito vai se fechando gradativa e vagarosamente, deixando os peixes que tiveram o azar de serem achados nesse espaço, confinados. Com isso facilitando suas capturas.

É uma forma bem perigosa de pesca, concomitantemente proveitosa. Pois é possível, devido estarem cercados, apanhar copiosos e diferentes tipos de peixe. Ao serem sitiados, animais como o jacaré, cobras rabo seco e o poraqué,(peixe elétrico), além da edaz piranha vermelha e a não menos destrutiva piranha ambeua, de cor branca, viram verdadeiras feras enjauladas. Inúmeros peixes são pegos: arangaus, peixes – cachorro, piranhas, pacus, curimatás, surubins, tubis, sarapós, traíras, acarás pretas, acarás pitanga, calambanjes, pirapemas, piaus, jejus, peixe sabão, branquinhas,(tapiacas), mandi tatu,(mandi rato), jandiás, bagrinhos, boi acari, carrau, cascudos, violas, dentre outros.

Camboa no mato – Também chamada de pesca puxando mato. A organização é quase igual da forma anterior. Faz-se uma coluna de pessoas, que escolhem determinada área a ser atingida, como se fosse um eito na roça. O pelotão passa então a puxar o mato (plantas aéreas) mururus, dando a possibilidade ao socó ser afundado.

A cada choqueada, a mão tem que ser posta dentro deste, pois diferentemente da modalidade no limpo, onde os peixes estão em águas menos turvas, portanto mais passiveis de se debater, ao serem alcançados; devido aos balcedos, e barros existentes no terreno, mesmo estando presos, não se sente as batidas nas talas A operação se encerra, quando a meta anteriormente definida, é alcançada. Volta-se para onde começaram realizando uma espécie de rescaldo na zona ocupada, pois devido ao grande número de mato, balcedo e barro, muitos peixes passaram despercebidos, enterrando-se. Essa ação, algumas vezes consegue ser mais efetiva que a primeira.

A variedade de peixes encontrados nesse tipo de pescaria são todos os elencados na parte relativa a pescaria de camboa no limpo, exceto os chamados peixes brancos. No mato estes não transitam. Choqueando a esmo. Uma, duas, três ou mais pessoas saem no meio dos poções choqueando sem rumo definido. Serve tanto para o limpo como para o mato. Temos ainda a pescaria solitária puxando mato, por entre os mururus e pés de aninga. As vezes cortando, outras puxando, e choqueando no espaço vazio. É sempre necessário a cada descida do choque na água, que a mão entre na armadilha, para comprovação de se algum peixe foi coberto, como já foi explicado antes.

Miminga. A partir do mês de agosto, quando os poções começam a separar-se podemos observar o fenômeno da miminga. Que é o ato de respiração do peixe, no fundo d’agua, refletido em borbulhas de ar que sobem a superfície. Antes que o vento caia, entre cinco e seis da manhã, um exímio pescador, em canoa ou a pé, com um socó na mão, observa os locais onde as erupções aparecem, quando as vê, de modo mais silencioso possível, enfia a armadilha. Não dá outra, embaixo estará uma traíra. Corre mão. Em fevereiro ou março, quando as chuvas se intensificam, e águas começam a invadir o capim de marreca, iniciando a piracema, observamos um dos mais belos modos de pescar.

Tendo o socó apenas como coadjuvante, o pescador invade silenciosamente a área, e ao ver as espumas, sinal de que ali está se desenvolvendo um procedimento de reprodução, consegue com a mão, agarrar a presa. Esse mesmo processo é executado nos meses do abaixamento, desta vez claro, sem a babugem da piracema, e contando só com o sentido do tato e a capacidade de se manter em silencio. Tive o privilégio de conhecer dois ases nesse tipo de pescaria: Lauro, meu irmão e Nézio dos Santos, apelidado de Jaburu. Era empolgante vê-los entrar no campo, só com o socó e o cofo na cintura, depois largavam-no, e saiam agachados, as mãos na água. Logo aparecia como num passe de mágica uma traíra. Em pouco tempo, o cofo estava cheio.

PESCARIA DE GAIOLA.

Muito comum no lago Aquiri. Prepara-se uma armadilha que será posta no lago, em áreas não muito fundas, denominadas gaiolas. Seu tamanho é de mais ou menos um metro de altura com 50 centímetros de circunferência. Geralmente confeccionada de talas de buriti, palmeira ou anajá. Possui dois dispositivos de entrada: uma na parte de cima onde os peixes são introduzidos, induzidos pela ceva posta dentro da trapeira, feita com talinhas de folhas de palmeiras, anajás, pontiagudas nas partes que ficam no interior, permitindo só o acesso da presa, e impedindo a saída devido as pontas afiadas. Na parte relativa as talas sobrepostas na vertical, prepara-se um janela que terá duas serventias: permitir a colocação das iscas, bem como a retirada dos peixes aprisionados.

Utiliza-se : vísceras, ou qualquer outra coisa que escorra sangue, visando pegar especificamente piranhas, especialmente as vermelhas grandes; cupim, para pegar aracus, surubins, mandis, bagrinhos, mandubés, lirios…etc..

PESCARIA DE TAPAGEM.

Basicamente são duas as formas de tapagens. Nos igarapés ou rios temporários. Os rios que cortam a Baixada, em sua maioria são ocasionais. Contam-se nos dedos os perenes existentes, de Arari a Alcantara. Em Matinha não há nenhum, ou poderíamos citar os rios do Jenipaí ou Tamataí, que são córregos dentro do lago Aquiri, numa área fronteiriça entre Matinha e Viana e que se “recusam” a secar, mesmo nas estiagens mais inclementes.

Acontecem quando se iniciam as chuvas do inverno ou período chuvoso, final do mês de dezembro, primeiros dias de janeiro, ou no mais tardar, começo de fevereiro, tudo dependendo do rigor das águas caindo. Os leitos dos igarapés, antes poeirentos, agora escorrem o precioso líquido. Aproveitando-se disto, prepara-se dois troncos longos e grossos, que possam abarcar ambas as margens do igarapé. Nestes são apostas folhas de pindoveiras ( palmeiras jovens de babaçu), de modo a não permitir que os peixes impulsionados pelas primeiras chuvas, e subindo o rio para desovar, passem.

No amago das folhagens são abertos, dependendo do espaço entre as duas barreiras, buracos para a colocação dos manzuás ou monzuás, e matipis. Armadilhas preparadas com material das próprias folhas das pindoveiras. Os monzuás, são fabricados da parte central destas palmeiras, as mais jovens. Põe-se dois arcos, frequentemente de jeniparana, numa espécie de cano, mais aberto na parte de cima e fechando-se nas pontas, podendo a água entrar e sair. O peixe, não.

São situados em direção oposta a correnteza, com duas funções precípuas: permitir ao líquido escoar velozmente, encontrando espaço para atravessar, consequentemente evitando a derrubada da barragem, e, segurando no seu bojo alguns peixes que porventura estejam descendo o rio. Os matapis, também são confeccionados por folhas do mesmo material dos monzuás, só que desta vez das pindoveiras mais antigas, chamadas palmiteiras( que já podem dar palmito), ou xacheiras, normalmente ainda não tendo chegado na condição de palmeiras, as que já produzem cachos.

Construídos a partir da retirada de talas cortadas cuidadosamente com uma largura mais ou menos de dois dedos, que são sobrepostos sobre dois arcos de jeniparana, bem encostadas de modo a não permitir que passe nada, formando uma espécie de barril, um pouco mais comprido. No lado da cima, no arco da boca, são amarrados pedaços pontiagudos de mais ou menos um palmo, denominados espeques, que saem abertos e se fecham nas partes acuminadas, objetivando a fácil passagem e não permitindo retorno dos peixes. As pontas das talas são amarradas por cipós ou caranãs. É por essa passagem que os peixes são soltos.

Essa armadilha é posta na tapagem de modo inverso ao manzuá, ou seja, contra a correnteza, para poder pegar os peixes que estão subindo o fluxo d’água para desovar. Quando as enchentes são intensas, as tapagens nos rios estendem-se para além do leito original. Na perspectiva de evitar a passagem dos peixes, são feitas barragens dos dois lados, chamadas de bamburral. Nesses espaços normalmente não se utiliza matapis, já os monzuás, são usados. O objetivo, como já falado, permitir o escoamento da água.

Os peixes capturados: jandiás, bagrinhos, traíras, jejus, matapiris, piabas, piranhas, caranguejos, cascudos, piaus, acarás preta, peixe cachorro, sarapós, tubis. Esporadicamente muçuns e poraqués, podendo ainda aparecer cobras ou jacarés. Nos Campos ou lago Aquiri . Hoje em dia mais raras. Consistem em cercar com varas de madeiras finas, ou talos de folha de palmeira, uma área dentro lago. Normalmente uma enseada, onde são colocadas gaiolas, e matapis para recolhimento dos peixes. Nesse tipo de tapagem não são usados monzuás. Como o número de presas é muito grande, e as gaiolas são miradas (olhadas) durante a noite. É preparado um local, um viveiro, onde os estes ficam a espera dos compradores, sem sofrer deterioração. Temos ainda uma área denominada curral. Montado ao lado da tapagem, serve para guardar os peixes grandes.

As tapagens no campo são feitas em áreas já previamente delimitadas, Ocorrem em córregos propensos a secar mais devagar que as outras partes, onde a água se espalha. Os peixes pegos são: curimatás, pirapemas, tapiacas, arangaus, surubins, pescadas, peixe cachorros, aracus ,piabas, matapiris, pacus, mandubés, calabanjes, piaus, piranhas (ambeuas e vermelhas) mandis (tatu, amarelo,) jandiás, no âmbito dos peixes brancos. Trairas. Jejus, acará pretas, carraus, cascudos, boi acaris, (bodós),violas, tubis, sarapós, bagrinhos; peixes pretos. Fortuitamente, arraias, jacarés, poraqués, cobras.

PESCARIA SECANDO POÇA

Acontece sempre no abaixamento, que é a partir do mês de julho. Quando as chuvas vão rareando, e os riachos secando pela evaporação. Consiste basicamente na construção de contenções, ou desvios, em alguma parte do rio, isolando uma parte mais funda ou poça . A partir da retenção do fluxo, passa-se pra dentro do reservatório com latas, cuias, baldes, objetivando diminuir o máximo possível o volume d’água. Normalmente, essa água é jogada para frente da poça. Após algum tempo, os peixes já embriagados, sem oxigênio, começam a aparecer e são pegos.

Na captura são usados os mesmos materiais com que foi efetuado o processo de retirada da água, alguns utilizam ainda landruás, uma espécie armadilha feita de fios de náilon, parecido com um saco de coar café. Esses ambientes quase sempre possuem locas, buracos que se estendem por baixo das barreiras, onde os peixes maiores e mais perigosos, bem como poraqués, jacarés, cobras, vão se instalando, a partir da diminuição da água. Aí é necessário usar um cofo, um facão ou os próprios braços, para buscar a caça e consequentemente em havendo outros animais, ter contato com estes.

Pescaria de cofo. Uma variante da forma falada acima, é a pescaria com cofo. Segue-se quase o mesmo princípio das outras fases, mas ela acontece com mais assiduidade quanto os rios já estão com suas poças apartadas, ou seja, alguns locais no leito, já estão completamente secos.

Usa-se um cofo grande, de boca bem larga, coloca-se dentro d’água, explorando sempre as barreiras. Após algum tempo, ergue-se o aranhol, arrastando para a parte seca. A água então escorre, deixando sob as folhas o capturado. A operação é refeita quantas vezes forem necessárias, ou até que não tenha mais peixes no local.

PESCARIA DE TARRAFA.

 

Tarrafas são ferramentas de nylon ou fios de algodão (hoje muito raras), utilizadas para o aprisionamento de peixes. São produzidas em tamanhos diferentes, algumas chegando a ter a altura de um homem com o braço para cima. Poderíamos chamá-las de um recipiente comprido de boca larga e circulada na parte de baixo por canículos de chumbo, objetivando sua descida mais rápida.

Na boca destas existe o saco, um traçado especial, que enrolado ao chumbo em formato de pequenos dutos, evita a fuga dos peixes, quando da sua emersão. Na parte de cima, uma corda fina, de variados tamanhos, proporcional ao seu dimensionamento. Prende as malhas no centro de junção, e é utilizada para jogar a armadilha sobre as águas. É subdividida em malhas. Quanto mais largas, peixes maiores serão pegos. Em Arari e Vitoria do Mearim, existem as camaroeiras, peças especialmente preparadas para camarões do rio Mearim, suas malhas são muito próximas umas das outras.

Camboa de tarrafa – Praticada no lago ou em porções onde a água é limpa, sem matos. Segue o padrão das camboas, incluindo o componente canoa. Um grupo de indivíduos saem uns para a direita e outros para a esquerda até formarem um círculo. Após, dois homens, um na popa, a parte de trás, o popeiro, conduzindo a embarcação com remo ou vara; na proa, o proeiro, em pé segurando a tarrafa, e a jogando na água de tempos em tempos. Então, esta é retirada e posta para dentro da embarcação, onde eventuais peixes aprisionados são retirados. Volta-se novamente a postura anterior. Tudo isso é simultaneamente sincronizado, e o circuito sendo gradativamente fechado.

A visão das tarrafas singrando os ares harmoniosamente, com seus silvos característicos, os raios de sol incidindo nas malhas, descendo vagarosamente sobre as águas, e seu consequente retorno à tona, tremulante de peixes. É um espetáculo fascinante. Uma variante desse método, é denominada de pescaria de ponga. Os canoeiros implementam o arco, num tamanho que proporcione a todos participarem, as embarcações vão de forma equitativa e coordenada, efetuando seu fechamento sem usar as tarrafas, mas batendo com as varas ou remos na água, de tal modo que os peixes cercados ocupem o centro do aro, então, numa posição onde podem todas serem jogadas juntas, é efetuada apoteose da pescaria.

Temos ainda a pescaria de tarrafa sozinho a pé. O pescador, portando a armadilha, e um cofo na cintura, entra na água limpa, e a vai jogando,” bazugando”. É praticada normalmente quando as águas já estão cortadas e são formados os poções. A pesca de canoa a esmo, é empreendida por duas pessoas, as vezes por uma só, que sentada na popa da embarcação, faz ambas as atividades de modo simultâneo: remar/ empurrar, tarrafear. Nas cidades banhadas por rios perenes e lacustres, também é consumada ficando os praticantes as margens, jogando e puxando a armadilha, sem necessariamente entrar na água. Atualmente nos milhares de açudes que foram abertos profusamente para a criação em cativeiro, na região da Baixada. São pegos peixes tanto naturais quanto exóticos desse modo

PESCARIA DE REDE

As redes são uma forma de pescaria extremamente predatória, pois possuem uma amplitude muito grande de ação e dependendo do tamanho das malhas, é capaz dizimar com os peixes de determinada região. Contendo fibras de nylon, que são atadas a dois cordames paralelos de linhas do mesmo produto, em configurações que dependem da fundura do local onde será efetivada a pescaria, as fibras formam quadrados de diversos tamanhos, denominados malhas, que vão desde a malha número dois, onde mal cabe um dedo ,até a dez, doze, catorze, em rios ou lagos. Podendo ser maiores que vinte, nos açudes ou mar. Essas redes são chamadas malhadeiras. Quanto ao comprimento, variam de acordo com o local e a condição financeira do dono

São duas as maneiras de pescar: a rede fixa, e a rede de arrasto. Existe um consenso que talvez nós nem expressemos, alguns por medo, outros por comodidade, por falta de conhecimento, ou plena ignorância: a pescaria com redes e extremamente predatória.

PESCARIA DE ESPINHEL

Exercida nos campos e lagos durante inverno e abaixamento. É um tipo de ardil que pega quase exclusivamente traíras. Trata-se de uma mais belas formas de pescaria que conheço. Começa com o corte de pedaços da parte central da folha da palmeira seca, buritis, ou qualquer outra madeira capaz de boiar. Atualmente já usam pedaços de isopor, na dimensão de mais ou menos um palmo e meio, faz-se um furo ou amarra-se firmemente no centro um cordame trançado de nylon, um pouco maior que ele.

Na ponta solta do cordame, afixa-se uma minúscula tala de marajazeiro, pontiaguda dos dois lados. Coloca-se então piabas, pequenas acarás, camarões, como iscas. Esse diminuto aguilhão de marajá faz as vezes de um anzol. As peças são deixadas dentro d’agua aleatoriamente, ao cair da noite. Logo cedo no dia seguinte, são pegos e jogados numa canoa de modo indistinto, para posterior retirada dos peixes aprisionados, bem como recolocar novas iscas para outro dia. Devido o grande número de espinheis,- algumas pessoas podem ter mais de cem,- a possibilidade de mistura entre a propriedade de um ou outro é constante.

Esse imbróglio foi superado de modo genial pelos nossos cidadãos: é impressa uma marca própria em cada um deles. Desse modo ao levantá-los, já fazem a previa observação sobre se lhes pertencem ou não. Assim, todos podem tranquilamente acessar suas próprias armadilhas, e não caírem na tentação ou “ esquecimento” de mirarem as que não são.

PESCARIA DE PUDICA

Utilizada nos campos cobertos, esta forma de pescaria, pela sua simplicidade, merece destaque: usa-se uma mensaba, artefato fabricado da palha do centro da pindoveira, ou palmiteira, a mesma matéria prima com que são confeccionados abanos e cofos, e que era bastante utilizada no passado como porta ou janela nas casas mais humildes. Essas mensabas são amarradas umas as outras, formando um assoalho, que é armado estrategicamente. Mururus são postos por cima das peças, de modo a camuflá-las. A partir daí, um grupo de pessoas passa a bater na água com varetas de embira ou urucum, fazendo muito barulho, visando levar os peixes para dentro da pudica.

Logo após, conjuntamente, cada um com seu cofo na cintura, erguem as mensabas acima da lâmina d’agua, permitindo o escoamento do liquido e deixando no seu interior os peixes que fugiram das batidas e gritos e ali buscaram refúgio, além do mato ou mururu que fora colocado anteriormente. O próximo passo será a retirada do mato, e posterior catação dos peixes que ficaram. Sendo estes colocados nos cofos. Pega-se os mais variados tipos de peixes, tanto os chamados peixes pretos, quanto, em menor escala, os brancos. Não os citarei em função de já tê-lo feito anteriormente.

Acredito ser relevante falar que junto aos peixes, também aparecem cobras, poraqués e pequenos jacarés, necessitando muito cuidado quando da coleta, pra não sofrer acidentes. Cabe registro especial, a preocupação com as piranhas. Devido essa pescaria se realizar no abaixamento, período em que as águas vão se evaporando, formando os poções que guardam uma infinidade de piranhas. Estas, quanto mais tênue se torna a lâmina, mais perigosas ficam. Para evitar seus ataques, muitos pescadores vestem uma espécie de calça feita de sacos de estopa, um tecido bem grosso que antigamente acondicionava os produtos comercializados. No contato com a água, a estopa incha, e quando é mordida pela piranha, não consegue alcançar a carne.

Por ser um modo de pescar que não exige muito esforço físico, em certos momentos tornando-se até uma brincadeira/ diversão, quando das batidas e barulhos na água, alguns aproveitam para jogar o precioso líquido uns nos outros. A pudica tornava-se um evento peculiar, único, que permitia a participação de famílias inteiras, dando uma característica de congraçamento comunitário. Não cheguei a praticar, mas na minha memória de criança, ficou gravada a imagem de inúmeras crianças, adolescentes, mulheres, fazendo muita algazarra, sorrindo, espanando água, quando da etapa de tanger os peixes para dentro das armadilhas.

PESCARIA DE LUZ

A engenhosidade do baixadeiro não tem limites quanto ao quesito pesca. A pescaria de luz ou facho é a prova disto. Acontece no verão e inverno e é praticada sempre a noite, quando os peixes, que durante o dia ficam nas partes mais fundas dos rios, igarapés, lagos e campos, aproveitam o soturno e encostam nas beiradas, para dormir. Usa-se uma luminária, acoplada a um pedaço de madeira leve, já seca, de mais ou menos meio metro, sobre a lamparina uma placa de caranã, que é o involucro do palmito de babaçu.

A chapa que envolve a lamparina, tem dupla função: proteger a chama dos ventos, não permitindo que se apague, e evitar o ofuscamento,(incandiar) de quem está conduzindo, mais ou menos como se fosse um abajur. Esse abajur/lucivelo, denominado “careta” também é, ou era, confeccionado com de folhas de flandres, geralmente de latas de óleo para cozinha. Praticada a pé, nas noites escuras, não faz muito sucesso quando existe luar. O pescador, com a luz a frente numa mão, na outra um facão afiado, vai pé ante pé, caminhando a d’água, procurando peixes dormitando. Ao identificá-los, desfere um rápido e mortal golpe, costumeiramente na cabeça, para não perder o corpo. Ato contínuo, com o peixe já morto, recolhe-o ao cofo atado na cintura.

É uma bela cena, digna de cinema, na limpidez da água, sob a fraca luz da lamparina ou mais recentemente, o facho de uma lanterna, traíras, acarás ,jejus, sarapós, dentre outros, com seus corpos tremulantes do suave balouço, madornando, para logo depois, num rápido talho, virarem comida. Em Arari conheci uma versão diferente e interessante: a pescaria é efetivada as margens do rio Mearim, por entre os galhos da ingazeiras, troncos de aninga e mururus, que sobem e descem o rio. Na proa da canoa, lanterna numa mão, na outra em vez do facão, um ancinho com cinco pontas afiadas. Pequenos arpões nas extremidades permitem que os peixes venham presos para quem o manuseia.

É chamada pescaria de gadanho, e diferentemente da outra , onde se utiliza um facão, proporciona a possibilidade, de em havendo dois ou mais peixes próximos, alcançá-los e trazê-los engatados, de maneira integral, pois não é necessário cortar a cabeça, ou parte do corpo. Provavelmente, devem existir outras formas de pescarias na Baixada, e eu, por não saber, preguiça de aprofundar a pesquisa, ou medo de fazer um texto muito longo, deixei de enumerar. Em São João Batista, pescam caranguejos; em São Bento e Bacurituba, muçuns. No povoado Bonfim, em São Vicente Ferrer, existe a pescaria de ninquin, uma espécie de cascudo bem pequeno, só encontrado lá.

Sem contar com mais recentemente, a verdadeira explosão de pequenos e grandes açudes, que estão explorando, implantando, diversificando – sem nenhum juízo de valor -,uma nova forma de criar, e consequentemente, agarrar esse produto tão apreciado.

CONCLUSÃO

Entendo que o explanado dar uma real dimensão da pluralidade de modelos que nosso povo utiliza para aproveitar os peixes que abundam na região .Revelando o quanto fomos e somos agraciados pelo Criador Este texto só foi possível, devido a ajuda de muitos irmãos baixadeiros, que não nomearei para não causar desconforto por ter deixado de citar algum. A todos, minha gratidão. Também me foi muito útil o livro do vianense Ozimo de Carvalho, a quem homenageio, Retrato de um Município. Um excelente roteiro abordando aspectos sociais, históricos e ambientais, nos anos 1950, na cidade de Viana e cercanias. Notadamente no capítulo VIII, a pesca.

João Carlos da Silva Costa Leite, nascido em Matinha, bancário aposentado , estudante do curso de Filosofia da UFMA. Membro fundador da AMCAL , Academia Matinhense de Ciências , Artes e Letras onde ocupa a cadeira 17.

5 respostas para “Artigo de João Carlos: Formas de pescarias na Baixada Maranhense, heranças históricas de um povo…”

  1. Muito bom esse conteúdo contido nesse artigo ,parabéns pelo empenho dessa maravilha descoberta de conhecimento dessa linda e rica parte do maranhada baixa.

  2. Parabéns ao grande matinhense, que eu chamo carinhosamente de Jamba. É um escritor que nos faz rememorar os costumes da nossa Baixada.

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