Artigo de João Carlos: Trajetória de Vida – Memorial I – Eu teria um desgosto profundo

Minha vida foi moldada, plasmada, definida, por inúmeras concepções. A pessoa que hoje fala, escreve, chora, ri, briga, abraça ,beija, debate, grita, cala, adoece, caminha, morre aos pouco, etc, etc..é a colagem multiforme de conceitos, conhecimentos, aspectos, erros/ acertos, inerentes a uma trajetória única e exclusiva a todos da raça, denominada humana.

João Carlos

Acredito que o Esporte, a Religião e a Política, não necessariamente nessa ordem, tiveram a função precípua de esculpir, dentre tantas outras experiencias/conceitos/ categorias, a personalidade deste ser que no tempo e espaço está aqui hoje, agora.
Com base nessa visão, resolvi escrever três artigos, que qualifiquei de capítulos memoriais, dissertando sobre cada um desses temas. Na oportunidade estarei também trazendo à tona concomitantemente, lembranças, memórias, recortes da minha existência.
Esporte
Das modalidades esportivas que tive acesso na infância, adolescência e fase adulta, apenas em duas suponho-me mais ou menos apto: xadrez e pescaria. Mesmo assim, correndo o risco de ser questionado, pois pescar, atividade em que me considero um craque, esteve durante muito tempo, mais como atividade de sobrevivência, que como esporte. Também é verdadeiro, que muitas vezes cultivei tal ato como paliativo.
Ah, pra falar com sinceridade, veio a lembrança. Joguei, quando menino, bilharina e bilhar, na casa de João Lima, sempre escondido de papai e mamãe, até porque o dinheiro utilizado para as partidas, era decorrente dos ovos surrupiados solertemente das galinhas de Maria de Lola.
Sempre gostei de futebol, mas ele, fugia de mim. Embora tendo o sangue de Juvêncio Capijuba, um lateral direito reputado em seu tempo como bom; e irmão de Lauro e Cici, que não fizeram feio nos campos, só conseguia jogar, por ser normalmente o dono da bola (dada por Tchem), mesmo assim, quando precisava de substituição, era o primeiro a ser sacrificado, em nome da vitória.
Quando fundaram o Bairro Novo e toda aquela área onde atualmente é avenida Major Heráclito e a Cel. Antônio Augusto, que desembocam na Ma 014, que eram mato ou fundo de quintal, foi loteada, formamos um time que ficou célebre, não pelo futebol apresentado, mas por seu nome exótico e pelos apelidos dos jogadores.
Chamava-se “Serrilhão “, uma homenagem a Eliberto Santos Silva, o Serrilha, uma pessoa residente em frente ao “estádio”, que por extensão tomou o mesmo nome. Já o time, ficou famoso, igualando-se em ruindade com a bola nos pés e a preciosidade das alcunhas dos jogadores.
Lesma, Louco, Caipira, Pinote e Palá. Era a zaga; no meio de campo: Pernalonga, Caju e Bananeira; no ataque: Cabo Rui e Cabo Osias. Claro, existiam outros boleiros, que ficavam no banco, prontos pra qualquer eventualidade: o próprio Serrilha, Siduca, Peixão, Genial, Skol, Panheiro, Pango, Zeca de Bango, etc. etc. Naquele tempo, o time do Serrilhão bombava.
Ciente da minha incapacidade no segmento futebol, enveredei por outras formas esportivas. Tentei voleibol, handebol, sem sucesso. A desculpa era o defeito que tenho no braço direito, que não satisfazia nem a mim, pois conheço pessoas em Matinha, com deficiências físicas piores, que se saiam bem nesses e outros esportes.
O xadrez entrou na minha vida tardiamente, depois dos vinte anos. Sempre admirei sua prática, e acompanhava de perto as altercações entre os soviéticos e norte-americanos, vivenciadas durante a guerra fria, pela disputa do poderio mundial, tanto do ponto de vista bélico, quanto científico, espacial, esportivo.
Observava, numa época em que não havia internet ou celulares, a televisão não era tão popular, essas informações, pelas revistas veja, Isto É, Realidade, o Cruzeiro, Cadernos do Terceiro Mundo, Senhor, que esporadicamente e depois de modo mais sistemático, chegavam a mim
Nesse sentido, nomes como Bobby Fischer, Anatoly Karpov, Gary Kasparov, Mequinho, dentre outros, eram enxadristas admirados de longe, torcia para um dia conhecê-los e aprender esse jogo, que de modo incomum exercia fascínio sobre mim. No entanto não achava ninguém nas minhas relações que pudesse ensinar a pelo menos mover as pedras.
Um dia, acho que eu já estava trabalhando no Banco Econômico, chegou em Matinha um rapaz chamado Jonas, não lembro o sobrenome, para trabalhar na EMATER. No nosso primeiro contato, constatei que ele gostava de xadrez, e que sabia jogar. Não o deixei mais em paz, fui feliz para o aprendizado. Meu afã era tão grande, a vontade de saber tão intensa, que na terceira partida, empatamos e na quarta, consegui ganhar.
Em pouco tempo o esporte foi disseminado na cidade, atraindo inúmeros praticantes: Genial (Zé Ribeiro), Denilson de Ceará (Denizard), Teteco ,Micharlany Amaral, Denílson (Deco de dona Luzia),João Heráclito (Bolinha) e Hércules seu irmão, (que Deus já tomou pra si), Márcio Amaral, Junior Amaral, Odílio, foram alguns dos que aprenderam o esporte.
Faço aqui menção especial ao meu querido amigo, irmão, pessoa a quem devotava imenso carinho, Eldo Rone Amaral. Eldo (Deus precisou dele), era desses seres humanos especiais, que dentre mil, nascem um.
Extremamente focado, praticava uma infinidade de esportes (futebol, volley, handebol, futsal, dominó, damas, bolinha de vidro, atletismo), com um único objetivo, triunfar. E o foi, em todos.
Tínhamos uma relação de amizade especial. Quase não concordávamos em nada, e vivíamos discutindo, debatendo, divergindo, desde o mais irrelevante tema, a assuntos importantes. Nunca brigávamos, ou ficávamos de mal, o carinho que nutríamos reciprocamente, era muito maior que as querelas.
Quando comecei a jogar, resolvi desafiar esse amigo, professor, vereador, irmão da igreja, e cidadão que amava competir, talvez vislumbrando a possibilidade de vencê-lo, já que nos outros esportes, eu nem dava pro gasto.
Disse a ele – Eldo, aprendi jogar xadrez, que tal se tu também aprendesse pra que nós divulgássemos esse esporte em Matinha? aproveitei, e preguei os benefícios da pratica do esporte para as pessoas.
Passou-se um tempo, e lá vem ele – John (me chamava assim), já sei jogar teu jogo, vamos marcar uma partida. Fizera um tremendo esforço, pois exercia inúmeras atividades, mas conseguiu adquirir o conhecimento, e justiça seja feita, tal qual as outras modalidades, não fazia feio no tabuleiro. Jogamos diversas partidas, com vitórias alternadas entre os dois
A última vez que nos defrontamos, foi num torneio, preparado pelos aprendizes dessa atividade esportiva na cidade de Matinha. Sagrei-me campeão, e guardo com orgulho essa medalha.
Dizem que nos tornamos torcedores por incentivo dos pais, amigos ou por observarmos, no período da infância. um time que esteja em boa fase. Comigo foi uma mistura: sou boliviano, por influência de Enxuto – Luís Carlos Brito -, através dele, ouvindo rádio, as narrações de Guioberto Alves, as jogadas de Djalma Campos, Cabecinha, Celio Rodrigues; as vitorias sobre o Moto Clube, Maranhão Atlético Clube, e Ferroviário, aprendi a torcer pelo Sampaio Correa.
Já minha predileção pelo Flamengo vem sob outro aspecto, papai, embora eu desconfiasse, nunca se declarou torcedor do rubro negro, e meu orientador, quanto ao Sampaio Correa, sempre foi vascaíno roxo. Creio que o amor, deu-se pelo fato de aos 6 ou 7 anos de idade, ter recebido de presente um time de botão cuja agremiação era o Flamengo.
Este amor fixou-se mais na década de 80 com aquele time vencedor, que qualquer flamenguista mais jovem, gostaria de ter conhecido, e que eu posso orgulhosamente falar, parafraseando Gonçalves Dias, no seu poema I Juca Pirama: “Meninos, eu vi”.
Embora flamenguista, sempre tive afeto por alguns outros times: gostava do Santos, por causa de Pelé;(que nem vi jogar), Botafogo, por Garrincha e Jairzinho. Além disso construí certo carinho em cada Estado por um time, São Paulo, sou tricolor; Minas, Cruzeiro; Rio Grande do Sul, Internacional.
Alguns amigos flamenguistas, me criticam por dizer que não tenho raiva do Vasco da Gama, e que pelo contrário, por ser de uma geração que teve o privilégio de ver Zico e Roberto Dinamite jogando juntos e sem muita rivalidade, aprendi a gostar desse time. Tenho a honestidade de falar que acho o hino da Cruz de Malta belíssimo, bem como admiro sobremaneira sua história, e propago aos quatro ventos, o fato histórico de que foi esse clube carioca, quem pela primeira vez, colocou negros para jogarem em sua equipe.
Na verdade, entendo, que mesmo sendo torcedor do Flamengo e do Sampaio Correa, os outros clubes não são meus inimigos. O futebol, nem quaisquer outras modalidades esportivas podem servir para mascarar a luta de classes, o esporte, não pode, não deve, ser o “ópio do povo”.
Por isso minha admiração ao movimento que o Vasco da Gama iniciou abrindo suas portas aos negros; a atletas como Afonsinho, Sócrates, Vladimir, Reinaldo, Nando – irmão de Zico- Paulo César Caju, Casagrande, Tostão, Tinga; treinadores como João Saldanha e Wanderley Luxemburgo. Todos de algum modo, deram sua contribuição, (alguns até sendo presos), sob a ótica política, para desmistificar uma visão única, o olhar da elite, sobre o futebol.
Aqui em casa somos Flamengo por unanimidade. Guilherme, quando criança, quase era cooptado por Júnior de Cabeco, para o Vasco, graças a Deus, isto não aconteceu.
“Eu teria um desgosto profundo, se faltasse o Flamengo no mundo”. Satisfaz- me bastante torcer por esse time, é uma agremiação de massa, talvez a que mais represente a sociedade brasileira, já que somos mais de 40 milhões de pessoas, inclusos negros, brancos, índios ,mulheres ,homens, ricos, pobres, de todos os credos e religiões, ateus, agnósticos, etc.. enfim, o Brasil.
Esse é um pequeno resumo da minha vida no quesito esporte, muitas outas coisas ocorreram, e se for permitido por Deus, ainda tocarei no assunto em futuro próximo.

*João Carlos da Silva Costa Leite é cronista e escritor, natural de Matinha – MA. Bancário aposentado, casado, presbítero em disponibilidade da Igreja Presbiteriana Independente do Brasil (IPIB). Membro do Fórum em Defesa da Baixada Maranhense (FDBM). Membro fundador da Academia Matinhense de Ciências, Artes e Letras (AMCAL), ocupando a cadeira de número 17, cuja patronesse é sua mãe, Maria Jose da Silva Costa Leite. Graduando em Filosofia pela Universidade Federal do Maranhão (UFMA).

14 respostas para “Artigo de João Carlos: Trajetória de Vida – Memorial I – Eu teria um desgosto profundo”

  1. Belo texto, parabéns!
    Tenho muito orgulho de ter conhecido e vivido grandes momentos em nossa infância/ adolescência.
    Muitas saudades!
    Estarás sempre presente em meu coração …meu amigo!

    1. Querida conterrânea e contemporânea, Ana Severina, a quem sempre chamei de Cecé, obrigado pelo carinho. Nossa infância foi inesquecível.

  2. Boa tarde! No futebol parece que estou vendo todos, só não lembrava da escalação na íntegra como narra este atleta treinador. Hoje essa iguadade dos atletas em ruindade deu lugar aos torneios bola mucha de Matinha.
    No esporte da pesca não fui tão privilegiado como você, mas me divertia mesmo pescando para a sobrevivência. No xadrez independente da classificação para a disputa da final, por um vacilo como dizia Tetéco fiquei em segundo lugar e você o campeão.
    Parabéns pela trajetória.

    1. Obrigado, meu amigo Zé Ribeiro, a quem todos chamam, menos eu, de Genial. Pescamos e jogamos futebol e xadrez muitas vezes. Isso só aumentou nossa amizade e carinho recíproco.

  3. Saga: João Carlos Capijuba 1/3
    Excelente leitura. Recomendo. Texto muito bom do nobre confrade e membro da Academia Matinhense de Artes e Letras- AMCAL.

  4. São muitas coisas vividas. Sua crônica, suas palavras sábias sobre sua trajetória como Matinhense só aumenta nossa forte literária. Parabéns!
    BELO TRABALHO ESPERAMOS A NOVA EDIÇÃO.

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