Tambor de Crioula: a tradição secular que se mantém viva e em expansão

Durante o ano inteiro se vê o Tambor de Crioula ecoar nas praças da cidade, em centros culturais, no interior dos terreiros ou em palcos de festas como o carnaval e o São João. A expressão de matriz afro-brasileira, típica do Maranhão, é realizada livremente sem ter um calendário específico. A manifestação é feita tanto como forma de diversão como em louvor a São Benedito, o santo protetor dos negros.

Tambor de Crioula de Dona Teodora, de São João Batista

Fé, ritmo e dança: o Tambor de Crioula que embala o Carnaval do Maranhão Conheça a Casa de Tambor de Crioula do Maranhão Maranhão comemora o Dia Nacional do Tambor de Crioula Tambor de Crioula recebe título de Patrimônio Cultural do Brasil Segundo registros do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) São Benedito tem duas narrativas de origem.

Uma conta que ele era um escravo que um dia foi à mata e cortou um pedaço de tronco de árvore, fazendo um tambor, e depois ensinou os outros negros a fazerem e a tocarem o tambor. A segundo versão é que o santo foi um cozinheiro do monastério, que escondia comida em suas vestes e levava para os pobres. Embora não haja um consenso sobre a origem de São Benedito, o fato é que ele é reverenciado por muitos integrantes dos grupos de Tambor de Crioula, que carregam em sua história as marcas de uma resistência cultural e religiosa. “Teve uma época que eu estava com muitas dificuldades financeiras e eu pedi para o santo e ele me ajudou, me abriu as portas.

Tudo o que eu preciso eu vou no meu altar e peço pra ele, porque é minha fé. E eu sempre lembro de pagar a minha promessa”, destaca o cantador Geraldo Mendes, conhecido como mestre Amaral. Geraldo Mendes, conhecido como mestre Amaral. Divulgação/Congo de Couro. Há mais de 50 anos mestre Amaral ouve o bater do tambor e se sente parte dele, afinal, desde que nasceu tem sua vida entrelaçada com essa tradição que herdou do pai, Miguel de Brás Arcângelo.

Mestre Amaral nasceu na cidade de São Vicente Ferrer, baixada ocidental maranhense, e sempre esteve cercado de tocadores, cantadores e coreiras. E em mais de meio século, ele viu a tradição se transformar. “Eu já estou no tambor desde quando eu nasci, tem uns 50 e poucos anos, e tem muita diferença da tradição do interior, em regime de tambor. Na época era mais tambor de promessa, quando se fazia a homenagem aos santos da brincadeira. Além disso, as mulheres dançavam de vestido, não precisava de saia.

Mudou muita coisa, mudou muito o ritmo, os nomes dos tambores. Mas, a mudança é natural e temos que continuar pegando o que está vindo, mas nunca se pode esquecer o que está lá atrás. E não se pode ter vergonha de trazer a criançada para ver o tambor, porque quando gente for embora, alguém tem que ficar, é assim que se mantém a tradição”, ressalta o cantador. Tambor de Crioula. G1 MA. A dança circular feita por mulheres, as coreiras ou dançadeiras, as toadas que ficam por conta dos cantadores e a percussão dos tambores feitas pelos tocadores, são as características dessa dança.

Ao som do toque dos tambores e das toadas que falam de fé, cultura, problemas sociais, entre tantos outros temas, uma coreira dança dentro da roda e com a punga ou umbigada ela saúda outra dançadeira, que entra na roda para também dançar. Coreiras fazendo a umbigada. G1 MA. “Eu comecei a dançar Tambor de Crioula no bairro da Alemanha, com o tambor de uma tia minha, que já é falecida. Hoje eu danço em seis grupos e me sinto feliz por fazer parte de tudo isso. E quem gosta do tambor e quer fazer parte de um grupo, só precisa saber dançar. E se a pessoa não souber dançar, a gente ensina.

Eu tenho uma amiga que veio de São Paulo, a gente ensinou ela aqui e, agora, ela levou para São Paulo, onde pratica a dança com outras pessoas. Isso é muito bom, porque leva nossa cultura para outros lugares”, declara a coreira Ana Lúcia, que tem quase 30 anos de Tambor de Crioula. Coreira Ana Lúcia. G1 MA. Atualmente há mais de 200 grupos de Tambor de Crioula no Maranhão, presentes na maior parte dos municípios do Estado. De acordo com Neto de Azile, diretor da Casa do Tambor de Crioula do estado, nos últimos 10 anos houve um aumento de 20% nos grupos de tambor só na Ilha de São Luís, revelando a força dessa expressão cultural. “Quando um bem, uma manifestação é reconhecida, comumente ela está ameaçada de extinção, de enfraquecimento, mas com o Tambor de Crioula isso não existe.

Essa tradição secular, legada por negros escravizados, se mantém viva e em expansão. É claro que ela esbarrou por muito tempo no preconceito, na invisibilidade, mas o reconhecimento, o registro, fez com que isso reduzisse. Os grupos de tambores estão mais disseminados, mais conhecidos, saindo do cunho religioso demonizado, que se refere erroneamente às religiões de matrizes africanas, e passa a ser um elemento cultural típico do local. Então, os grupos hoje, apesar da resistência, estão muitos fortes”, ressalta. Uma das formas de preservação dessa manifestação cultural é a Casa do Tambor de Crioula, que se caracteriza como um espaço de protagonismo do negro, onde o integrante do tambor é a estrela.

A Casa, que abre suas portas todos os dias para a visitação, tem como missão levar a dança ao público, para que ele conheça e possa desconstruir preconceitos. Casa do Tambor de Crioula do Maranhão. G1 MA. “A Casa do tambor é um equipamento cultural multifacetado, ela não é um museu, é um centro de referência da manifestação. Aqui nós trabalhamos com três dimensões: passado, presente e futuro. Nós preservamos o passado, com a exposição permanente, mostrando o formato do tambor de crioula atual e como ele nasceu. Nós trabalhamos o futuro, com salas de saberes, onde há oficinas de dança, canto e percussão.

E tem o nosso palco, que trabalha o presente, a prática do tambor com os grupos de se apresentando”, destaca Neto de Azile. Mudanças Segundo Neto de Azile, ao longo de uns 40 anos foi preciso fazer algumas adaptações no Tambor de Crioula, como a substituição gradativa do tambor de tronco de árvores para o feito de cano PVC. “Essa alteração está relacionada à proibição ambiental, que gerou uma dificuldade em se fazer uma coleta desse material. Entretanto a tradição teve o cuidado de fazer a alteração sem que interferisse na qualidade do som”, enfatiza o diretor da Casa do Tambor de Crioula.

Tambor feito com cano PVC. G1 MA. Outra mudança na expressão cultural foi em relação à inserção da mulher como tacadora do tambor, uma atividade que antes era feita, exclusivamente, por homens. “A ausência de mulheres é pelo patriarcado, pelo preconceito. O machismo reinante fez com que houvesse um fortalecimento com a presença de homens. Não há um grupo formal com mulheres tocando o tambor, o que há são mulheres aprendendo a tocar e dando oficina, o que futuramente poderá se tornará um grupo”, explica Neto de Azile. O diretor da Casa do Tambor de Crioula ressalta, ainda, que esse formato de tambor com indumentárias padronizadas e que os homens cantam e tocam e as mulheres dançam é uma característica mais presente na Grande Ilha, onde há um produto cultural formal voltado para os turistas e para a sociedade local.

Já no interior do Estado há outras variações. “Ao se encaminhar para o interior do Estado, tem muitas variações. Nós temos tambor que é tocado e dançado só por homens, sendo que eles fazem a punga. Nós temos mulheres tocando e comandando grupos no interior. Nós temos Tambor de Crioula que são tocados em cemitério, como em São Benedito do Rio Preto, com uma festividade em meio às catacumbas, porque é o tambor das almas milagrosas. Temos o tambor de promessa e temos o tambor dançados por transsexuais e travestis, que são considerados grupos ou pessoas especiais”, conta Neto de Azile. Considerado Patrimônio Cultural do Brasil, o Tambor de Crioula saiu do espaço de marginalizado para os arraiais de elite, onde não havia essa manifestação cultural.

Hoje o tambor conseguiu ocupar um espaço que lhe é devido, de identidade cultural. Tambor de Crioula. G1 MA. “Muitas vezes a gente só ama o que a gente conhece. Muita gente não conhecia e, quando a pessoa conhece o tambor, não tem como não se encantar”, afirma Neto de Azile. Fonte: G1Maranhão

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