IMPRESSÃO INTUITIVA, POR PROFESSOR MARCONDES

Professor Marcondes
Não gosto de referenciar por “coisa” aquilo que é abstrato, não tem corpo, não é constituído por massa. Às vezes, encontro dificuldades em ser entendido, exatamente por não utilizar essa nomeação. Coisa ou cousa é, segundo os dicionários, o que existe ou pode existir; objeto inanimado; acontecimento, ocorrência; assunto, matéria; ou a designação popular de indisposição indeterminada; troço, qualquer objeto. Mas,prefiro utilizar o vocábulo para qualquer corpo, objeto – porção limitada de matéria. “Coisa” minha!

Receio tratar de certos assuntos insólitos pela possibilidade de ser interpretado e julgado erroneamente, na verdade, para que não retifiquem conceitos sobre minha pessoa e acabem provocando uma injusta distorção. O ideal mesmo é quando a reputação é boa e tem-se a chance de ratifica-la. É contraditório falar que não me importo muito com o julgamento alheio, que o tribunal de minha consciência é aquele que me julga emérito ou imérito de valor para mim mesmo – o único para o qual me rendo e submeto-me, se, ao invés disso, me mostro temeroso em tornar-me alvo dos comentários perniciosos, afinal, esforço-me em ser boa referência, a profissão é fonte responsável por essa manifesta conduta.
Quando era menino passei por situações complicadas que, mesmo com a participação de meus familiares, eram tratadas com desconfiada insegurança, como se a solução não tivesse crédito, mas fosse a única forma possivelmente complementar de recorrer à cura, visto que o tratamento médico não se mostrava eficiente, proposta reafirmada por pessoas desconhecidas que se acercavam dos meus para tecer observações sobre essa necessidade. Homens ou mulheres qualificados “sensitivos”, que me atestavam dotado de atributos espirituais incomuns. Lembro-me com muita lucidez a inexplicável e recíproca atração desde o primeiro momento de nossa aproximação, um envolvimento aparentemente natural dotado de um fascínio implícito e inextrincável, mesmo que não tivéssemos mantido nenhuma conversa; deslinde factual carregado comigo pela vida, sem conseguir apurar ou desvencilhar-me, sempre presente quando me aproximo de alguém cônscio ou não de sua sensitividade, praticante ou ligado ao culto espírita.
Relembro muitas visões inexplicáveis, que me provocavam febre alta, desvairamentos e aflições; também acusmas – ouvia algumas poucas palavras em som abafado, trêmulo, rouco, pausadas, capazes de encher o ambiente em que eu estivesse, sem terem sido gritadas. As visões aconteciam sem nenhum pressentimento, mas as vozes eram pressentidas ao entrar no ambiente onde aconteceriam. Batia-me aquela sensação de estar acompanhado, o corpo arrepiava e sentia minha atenção totalmente voltada para a audição, tornava-me “todo ouvidos”. Tanto quanto as visões, essas sensações auditivas acometiam-me dos mesmos efeitos. Seu Tomás, da Fé em Deus, bairro onde morávamos, conseguiu convencer meus familiares da necessária frequência ao seu Centro Espírita, local onde fui submetido a um tratamento consistente em participar das sessões em companhia de outras pessoas de dotes mediúnicos, mas não tenho a mínima lembrança de nada, a não ser dos banhos cheirosos que tomava em casa, nos dias determinados por ele. Minha avó, sempre com muitas reservas, nada me explicava, nem meus tios, e assim os fatos estranhos foram rareando, tornando-se lembranças fortes e renitentes carregadas na memória até hoje.
Sobraram-me alguns resquícios admiráveis, surpreendentes a mim mesmo, sensações intuitivas e fortes, a amedrontar-me quando reincidem em frequência constante. Entretanto, o mais excitante é o fato de ter a impressão de olhar uma pessoa, que confundo com outra, ou pensar seguidamente em alguém ausente, mesmo distante e encontrá-lo logo depois. Sei que muitos não acreditarão, apesar de não ter nenhuma razão para invencionices ou disposição em atentá-los para valorização de fatos espíritas.
Morei no Rio de Janeiro durante uns cinco anos e naturalmente fiz muitas amizades, principalmente com o pessoal que jogava voleibol lá em Bangu, onde residia com minha irmã mais velha. Depois de retornar ao Maranhão e domiciliar-me em São Luís, fiz ainda duas viagens ao Rio para rever os amigos. A vida foi tirando de mim a possibilidade de voltar ao convívio dos amigos cariocas. Cerca de doze anos depois de minha última viagem à Cidade Maravilhosa, quando morava no Alto de Fátima, veio-me à lembrança um amigo daquela época inesquecível, que aprendeu e jogava voleibol comigo, Levi, a quem, chamávamos “Pochola”, por causa de seu nariz um pouco avantajado. Comentei com Gilson, um amigo e companheiro de muitos anos para quem seguidamente contava minhas lembranças das passagens vividas no Rio. Quando chegamos ao terraço, depois do jantar, passou alguém bem em frente de nossa casa e pareceu-me estar vendo naquela criatura o meu amigo Levi. Falei para Gilson da impressão de ter visto Levi naquele homem que acabara de passar e ele me recriminou, observando-me com ares de gozação: – “Só falta esse tal Levi aparecer por aqui agora”. E completou que as outras oportunidades em que essa impressão tornara-se real, inúmeras vezes constadas, teriam sido meras coincidências. Ficamos mais um pouco no terraço, apareceram alguns amigos, visitantes costumeiros dos descomprometidos papos de início de noite, jogamos algumas conversa fora, despediram-se e entramos. Eu me apressei em ir ao banheiro e Gilson sentou-se na sala para assistir televisão, quando alguém me chamou no portão:
-“Baixinho”. Aquela voz era inconfundível!
Gritei para Gilson:
-“Levi!”
Gilson, incrédulo e gozador, comentou alto, com um de seus jargões costumeiros;
-“Só porque tu queres!” e dirigiu-se para atender ao chamado, abrindo a janela e deparando-se com um desconhecido que lhe cumprimentou e perguntou:
– “Boa noite! É aqui que Baixinho mora?”
Eu já estava à porta, antes mesmo do desconhecido terminar a pergunta. Gritei:
-“Levi! Não acredito!”.
Entramos, abracei meu amigo que não via há muito tempo e nossa admiração ficou afirmada na expressão patética expressa por Gilson, balançando sempre a cabeça, atônito por aquela constatação. Passado o instante de surpresa, as conversas começaram a desenrolar-se pela noite, pois tínhamos muitos assuntos para serem comentados. Levi falou-nos que saiu do Rio com a mochila nas costas, realizando um sonho de adolescente e seguiu rumo ao Nordeste, pegando carona pelas estradas com os caminhoneiros. Queria conhecer o Ceará. Esteve em Fortaleza, conheceu pontos maravilhosos do litoral cearense, sem esquecer que estaria bem próximo do Maranhão. Lembrou-se de mim e resolveu esticar um pouco mais a viagem aventureira. Seguiu para São Luís e logo ao chegar começou a peregrinação pelos jogos de voleibol, a única maneira possível de reencontrar-me, segundo sua convicta esperança, fundada na ideia que possuía da capital maranhense, uma cidadezinha onde, sem muita dificuldade, seria possível encontrar alguém. Ledo e assustador engano, mas que não o admoestou à desistência. Recordo-me que os cariocas sempre comentavam que deveria ser uma cidadezinha provinciana, pequena, bucólica e isto não era pra fazer gozação comigo. Era o que eles real e ignorantemente pensavam.
Levi nos contou que estava há três dias a minha procura, nos espaços onde jogavam voleibol. Esteve no SESC, mas nosso horário já tinha terminado, foi no dia seguinte ao Parque do Bom Menino, também chegou atrasado. Afirmou-nos que não desistiu de rever-me porque em todos os lugares onde se aproximava da pelada de voleibol, o pessoal falava que me conhecia e indicava-lhe como poderia encontrar-me. Davam-lhe orientações precisas sobre as “peladas” de Voleibol que frequentava, por onde eu jogava àquela época, SESC, Parque do Bom Menino e Praia da Ponta D’Areia, aos sábados e domingos.
Meu amigo passou três dias conosco e foram poucos para recordarmos tantas aventuras vividas no Rio de Janeiro. Viajou e nunca mais soube nem dele nem de nenhum outro daquela época maravilhosa. Histórias que se vão nublando com o tempo, transformando-se em vagas lembranças que me levam às lágrimas saudosas e atiçam uma vontade esmaecida e subestimada por tantos outros pedaços de vida sobrepostos pelo continuísmo dos dias. Como estariam os meus amigos ainda lembrados, Fidelis, Celso, Dôco, Paulo, Paulinho, Fernando, Mazinho, Cirne, Levi, Val, Didio, Batuta…? Certamente alguns já se foram, como Renatão, ou se espalharam por este imenso mundo de meu Deus, tocando suas vidas, vivendo suas lembranças, curtindo suas saudades onde espero estar presente!
O inesperado e “pressentido” reencontro com Levi deu-se dessa maneira, como tantos outros também aconteceram assim, mas, não estou afirmando que todos os meus encontros aconteçam desta forma. Alguns, apenas têm essa intuitiva e interessante particularidade, dando-me a chance de argumentar sobre situações vividas por mim e por tantos outros, que realçam a afirmativa shakespeariana e de domínio popular:
“ Há mais mistérios entre o céu e a terra do que possa imaginar nossa vã Filosofia”.


Folha de SJB

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