30 anos de casamento ou Bodas de Pérola: Tempo e felicidade, conceitos que transcendem a Filosofia

Pedindo vênia ao mais famoso poeta e cantor do nordeste, Luís Gonzaga, parafraseio a sua bela composição Légua Tirana, onde canta na estrofe: “Oh, que estrada mais comprida, oh que légua tão tirana, ai se eu tivesse asa, inda hoje eu via Ana”, para: “Oh que estrada mais bonita, oh que léguas tão bacanas, após  de trinta anos juntos, mais e mais eu amo Antonia”.

Trinta anos de casamento, bodas de pérola.  Uma odisseia iniciada em 04 de fevereiro de 1989, dia chuvoso em Matinha, na presença de amigos e familiares efetuamos o colosso desse enlace, do qual resultaram três maravilhosos rebentos, Carlos Guilherme, Ana Flávia e Carlos Gustavo. Ah, a felicidade! Não é recente, tranquila, nem precisa sua procura, experimentação. Incessantemente, desde tempos imemoriais, o ser humano a busca. Provavelmente em concomitância ao primeiro evento do espanto, ou da descoberta das artes.  Nesse anelo, batalhas, refregas, pelejas, guerras, foram travadas. A história está repleta de exemplos desses episódios.

A religião judaico – cristã nos resume em seu teor: feliz é aquele que confia e dedica sua vida a Deus.  Na filosofia, a começar por Tales de Mileto, pré-socrático, considerado por muitos como o primeiro filósofo, movendo-se pela referência maior, o patrono Sócrates, além de Platão, Aristóteles, Santo Agostinho, Tomás de Aquino, Rousseau, Nietzsche, Benjamin, Arendt, Levinas, Singer, Baumam, Agambem, Zizek, Chauí, a temática persiste provocando elucubrações, as vezes de um modo, as vezes de outro; pensamentos  não  retilíneos, mas sempre  ensejando   chegar ou dominar sua episteme máxima.

O tempo, ah o tempo! Esse evento a priori, que nos conduz principiando quando o espermatozoide fecunda o óvulo, e só acabando no último suspiro da existência terrena, também é alvo do estudo entre religiosos, cientistas e filósofos. A Bíblia sagrada nos fala no livro de Eclesiastes, que há tempo pra tudo, e mostra em todo o seu contexto, que Deus é Senhor do passado, presente e futuro. Ele é o Alfha e o Omega. Para Platão, o tempo (cronos) é a imagem móvel da eternidade imóvel.  Aristóteles, o estagirita, dizia que o tempo é o número de um movimento segundo o antes e o depois. São Tomás de Aquino, filósofo cristão, revela uma outra definição, que talvez espelhe com mais exatidão, o que manifestaram os anteriores: o tempo é a posse total, simultânea e completa da vida interminável. Albert Einstein, que não era religioso nem filósofo, demonstra na teoria da relatividade, que tudo no universo se move a uma velocidade distribuída entre as dimensões de tempo e de espaço.

Felicidade e tempo, formulações, conceitos, religiosos, filosóficos, científicos; duas vertentes, concepções, completamente antagônicas, que quanto ao quesito casamento, punham em xeque o estar juntos, dividir sonhos, fantasias, desilusões, alegrias, tristezas, amar, acariciar, etc…perorando ante  meu coração e  razão de solteiro convicto, o contraditório, a  interrogação. Como poderei ser feliz, olhando o mesmo rosto, anos a fio? Como não permitir o sentimento de rotina enroscando-se no relacionamento? Como permanecer com a chama do amor e do desejo acesas todo esse período? Era essa a minha dúvida cartesiana.

As respostas a tudo isto, vieram de modo paulatino, gradual, numa constância, quase imperceptível nestes 30 anos de convivência. Todas as argumentações, indefinições, que existiam, foram demolidas pela avalanche do amor em profusão. Tenho a alegria do noivo descrita por Salomão no livro Cântico dos Cânticos, e a transformo em poema diário, de gratidão a Deus, por tamanha Graça. Vivo a sensação da música Todo sentimento, de Chico Buarque, “pretendo te querer até o amor cair, doente…apenas seguirei como encantado, ao lado teu”.

Como vejo Antonia em minha vida? Igual o personagem da canção Joãozinho e Maria, candente produção   de Chico Buarque,”E você é  a princesa que eu fiz coroar, era tão linda de se admirar e andava nua pelo meu pais”. Com ela o meu complexo de Édipo desnuda-se, exterioriza-se, chegando ao expoente máximo do regalo. Nos deleitamos tal qual Epicuro no jardim do prazer, amamos, sofremos, sorrimos, choramos, oramos, votamos, torcemos, ganhamos, perdemos, unidos…somos um único ser. Antoine de Saint – Exupery, na sua mais famosa obra, O Pequeno Príncipe exibe uma frase que talvez defina o sentimento que em mim ecoa num momento de louvação a esta data tão bela e marcante de nossas vidas, traduzindo ipsis literes a conjunção, binômio, dualismo, tempo/felicidade: “ ..Mas, se tu me cativas, nós teremos necessidade um do outro. Serás pra mim a única no mundo. E eu serei para ti a único no mundo.”

360 meses, 10.950 dias, 262.800 horas, 15.768.000 minutos e 946.080.000 segundos. Trinta anos adstritos, bodas de pérola. Na verdade ganhei uma pérola. Em concepção filosófica benjaminiana, uma obra de arte, com aura singular, inigualável. Retratando uma vida inteira, sem nenhum cansaço, fastio, pelo contrário nosso maior desvelo é estar juntos, sempre, mais e mais, num sublime devir.

Tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas, disse a raposa ao pequeno príncipe, no já referido livro de Antoine Saint – Exupery, creio ser essa a síntese desses 30 anos de convivência, numa espetacular evolução     do termo cronos, agora para kairós (momento oportuno), que fundindo-se ao júbilo, transforma o espaço temporal em átimos perpétuos de satisfação.

João Carlos da Silva Costa Leite, é natural de Matinha. Bancário aposentado, casado, presbítero em disponibilidade da Igreja Presbiteriana Independente do Brasil (IPIB). Membro do Fórum em Defesa da Baixada Maranhense (FDBM). Membro fundador da Academia Matinhense de Artes, Ciências e Letras (AMCAL), ocupando a cadeira de número 17.  Graduando em Filosofia pela Universidade Federal do Maranhão (UFMA).


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